Fonte:
www.ge.globo.com
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Por Luís Fellipe Borges, ge
Triângulo —
Patos de Minas
Nem só Pelé: conheça 'Goku', jogador de
Patos de Minas que superou a
meningite e chegou ao milésimo gol
Pai de André anota todos os gols que o
filho marcou em jogos amadores desde
2007. Fã do personagem do anime
japonês Dragon Ball Z e de Cristiano
Ronaldo, o artilheiro superou um
quadro gravíssimo da doença quando
tinha 6 meses de idade.
De Túlio Maravilha a Romário, muitos
jogadores afirmam ter marcado 1.000
gols na carreira no futebol. Parte
dos estatísticos também consideram
que o Rei Pelé atingiu essa marca,
embora outros deixem de contabilizar
os jogos não-oficiais que ele
disputou.
Em Patos de Minas, um atleta fora
dos holofotes conquistou esse feito
histórico e comprovado:
André Faria de
Sousa, conhecido como
André 'Goku'.
Desde 2007, o pai dele, Ademir
Sousa, o 'Didi', anota os gols que o
filho marca em jogos amadores e nos
campeonatos disputados no Patos
Tênis Clube.
Depois de 15 anos, o milésimo tento
foi anotado no dia 19 de marçoe
se tornou o símbolo de uma história
que mistura fé, carinho e inclusão
por meio do esporte.
André 'Goku'
O caminho até o gol 1000 não foi simples.
Nascido em 1982, André foi
diagnosticado com uma meningite
grave quando ainda tinha 6 meses de
vida.
"Um dia, senti que
ele estava desanimado. Quando fui
dar banho nele, percebi um caroço na
cabeça dele e corri para o
hospital", conta a mãe, Maria
Aparecida Faria de Sousa.
O quadro avançou rapidamente e André
chegou a ficar em coma por vários
dias. A família viajou às pressas
para Belo Horizonte. Naquela época,
não havia recursos médicos
suficientes que possibilitassem o
tratamento em Patos de Minas.
"Me disseram que ele
não aguentaria a viagem, mas levamos
em coma mesmo. Eu pensava que, se
ele tivesse mesmo que ser meu, ele
conseguiria chegar até lá",
lembra a mãe.
André chegou ainda com vida ao hospital na
capital mineira e foi direto para o
Centro de Terapia Intensiva (CTI).
Após dias de tensão, o quadro
começou a melhorar. Os médicos,
porém, alertaram a família de que a
doença poderia deixar sequelas.
"Nos disseram que
ele poderia ficar cego, surdo e
mudo, ou que nem iria andar. Mas não
sabiam o que de fato aconteceria",
fala Aparecida.
Nada disso aconteceu. De fato, a meningite
comprometeu o desenvolvimento do
patense, que teve dificuldades para
começar a falar na infância. Além
disso, a doença afetou de forma leve
o grau cognitivo dele.
Para garantir que André tivesse uma
educação que atendesse às
necessidades dele, Didi e Maria
Aparecida o matricularam na
Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (Apae) da cidade. Foi
justamente lá que ele deu os
primeiros passos no esporte,
competindo - e bem - em torneios de
tênis de mesa, natação, atletismo e
peteca, entre outras modalidades.
Também na adolescência, o apelido
'Goku'
surgiu. O protagonista do desenho
japonês Dragon Ball Z (1989) se
tornou um exemplo para André nessa
época e é muito querido por ele até
hoje.
"Ele é o mais
poderoso!", diz o artilheiro.
Futebol
A estreia de André nos gramados foi em
2005, quando ele começou a jogar
partidas amadoras com amigos e
colegas do pai dele no Patos Tênis
Clube às segundas-feiras. Se, a
princípio, a ideia era que o futebol
fosse uma ferramenta de inclusão, o
desenvolvimento rápido do filho no
esporte chamou a atenção de Didi.
"Ele teve uma
evolução muito grande no futebol,
aprendendo as regras do jogo e
melhorando o desempenho, o que nos
levou a inscrevê-lo nos campeonatos
oficiais do clube", conta.
Como todo jogador de futebol tem um ídolo,
André não esconde quem é a grande
referência dele no futebol. Quando
perguntado sobre o atleta preferido,
a resposta dele sempre é rápida: "Cristiano
Ronaldo!"
Assim como o craque português, um dos
grandes atributos do mineiro é a
força nas finalizações. A qualidade
é reconhecida pelos companheiros de
time - e pelos adversários, também.
"Já tomei uns 3 ou 4
gols dele, pegar a bola dele não é
fácil. Tem um canhão no pé",
conta o goleiro Julliano Roberto,
que enfrentou André em diversos
torneios.
O milésimo
Em maio de 2007, Didi decidiu começar a
anotar os gols marcados por André,
como forma de incentivar o filho e
de reforçar a inclusão dele na
sociedade através do esporte.
"A cada 100 gols que
ele marcava nos campeonatos e nos
jogos de segunda-feira, ele recebia
um troféu especial em
confraternização com os amigos",
completa Didi.
Após 999 anotações, a expectativa estava
alta pelo milésimo gol. E ele foi
marcado na noite do dia 19 de março,
em um jogo de campeonato amador
disputado no clube. Mas, quando a
rede enfim balançou, incrivelmente,
Didi não estava lá para assistir.
"Estava em uma
reunião e, quando cheguei ao campo,
me contaram que ele tinha acabado de
marcar o milésimo gol",
lembra.
Por sorte, o gol foi filmado por um amigo
da família, que passou a gravação
para ele.
Como forma de homenagem, o
radialista
Adamar Gomes, locutor
esportivo e tio de André, gravou uma
narração especial do gol histórico. Confira
no vídeo abaixo:
"Golaço de André! O
milésimo gol! Ele marca, ele é
goleador, André 1000 gols!",
narrou Adamar.
Mesmo após a conquista do feito histórico,
Didi garante que a contagem dos gols
vai continuar.
"É importante que a
gente continue. Às vezes, pode ser
difícil para pessoas como o André
interagirem com outras, mas por meio
do futebol, posso dizer hoje que ele
tem mais amizades do que eu",
completa o pai.