Futebol feminino tem história no
Triangulo Mineiro e persiste mesmo
sem grandes incentivos
Araguari Atlético Clube foi a
primeira equipe organizada de
futebol feminino no Brasil
Talvez o futebol
feminino nunca tenha vivido um
momento de tamanha alta no Brasil. A
Seleção Brasileira está em meio à
disputa da Copa do Mundo da França,
competição que tem transmissão ao
vivo em canal aberto e vem
despertando a atenção dos
torcedores. Em Uberlândia percebe-se
certa euforia, principalmente em
função da jovem zagueira Daiane,
jogadora da cidade e que atua no
Paris Saint Germain, equipe do país
sede da copa.
A reportagem do
Diário de Uberlândia procurou
personagens locais, de hoje e do
passado que ilustram os sonhos de
muitas mulheres em fazer valer o
direito de simplesmente poder jogar
futebol ou praticar esportes,
mostrando e comprovando que não
existem barreiras capazes de limitar
uma paixão que pertence a todos,
independentemente de gênero.
Até chegar à jovem
Daiane, que atua em um dos maiores
clubes do futebol mundial, muita
“água rolou por de baixo da ponte”.
O começo de tudo foi em Araguari
entre os anos de 1958 e 1959, quando
o
radialista Ney Montes
para angariar fundos para uma
tradicional escola araguarina optou
em organizar no antigo Estádio
Vasconcelos Montes uma partida entre
mulheres do Araguari Atlético Clube.
Segundo a sua filha, a
jornalista Teresa Cunha,
o seu pai, já falecido, guardou este
segredo até 1999, quando decidiu
contar para a família.
“Ele acreditava que
um jogo entre mulheres seria uma
novidade e que daria certo.
Realmente foi um sucesso muito
grande, pois o estádio lotou e a
equipe do Araguari passou a receber
convites para jogar em outras
cidades com as suas equipes A e B.
Quando na cidade não havia equipe, o
time B vestia a camisa da cidade
adversária.
Aconteceram jogos
tanto no Estados de Minas Gerais,
Goiás e Bahia. Um dos jogos foi em
Uberlândia, no Juca Ribeiro”, disse
Teresa, que contou também o porquê o
time durou apenas dez meses até
terminar o sonho em 1959, adiando
inclusive uma excursão que o time
faria no México.
“Na época o país era governado pelo
Juscelino Kubitschek e havia uma lei
criada em 1941 pelo Conselho
Nacional de Desportos, na era
Vargas, que decretou a proibição no
Brasil da prática de esportes
considerados masculinos, dentre eles
a prática do futebol feminino.
“Acredito que a ordem para que o
time fosse extinguido não teria
vindo não do Juscelino, mesmo porque
sabemos que ele vinha constantemente
fazer visitas em Uberlândia e
Araguari, mas por interferência da
igreja”,
afirmou Teresa.
Ela acredita que se
não houvesse em 1959 a
arbitrariedade de proibir o futebol
feminino, que o atual estágio deste
esporte no país poderia ser outro.
“Eu não tenho dúvidas de que o
futebol feminino seria muito mais
forte e organizado do que é hoje,
com mais praticantes, com nível
técnico melhor e sem tantas
barreiras. Mas acredito que podemos
crescer muito no futebol e outros
esportes vistos antes como
masculinos, mesmo porque muitas
barreiras vêm sendo derrubadas”,
finalizou.
SUL-AMERICANO
Algumas décadas mais
à frente, em 1995, o Campeonato
Sul-Americano foi realizado no
Estádio Parque do Sabiá em
Uberlândia, um marco na história do
futebol feminino no Brasil. A
Seleção Brasileira era comandada
pelo técnico Zé Duarte, que também
havia sido treinador do Uberlândia
Esporte Clube na década de 80. O
Brasil ficou com o título ao vencer
a Argentina, e ficou a impressão de
que o futebol feminino ganharia um
patamar diferente depois de um
torneio em que o Sabiá ficava lotado
em todos os jogos da Seleção.
As ponteiras Pretinha
e Roseli eram as sensações da equipe
brasileira e levavam os torcedores à
loucura com velocidade, técnica e
dribles desconcertantes.
“Eu cheguei a organizar uma equipe e
jogávamos em campos de terra, isso
incentivadas em função do
Sul-Americano, mas com o passar dos
anos, infelizmente, a coisa foi
esfriando e a falta de apoiadores
fez com tudo parasse”,
disse Marta de Oliveira, aposentada
e que está acompanhando a Seleção
Brasileira na Copa da França.
PROJETOS LOCAIS
Em Uberlândia ainda
persistem alguns projetos de futebol
feminino, que sobrevivem
praticamente sem apoio, como é o
caso das” Divas do Don Almir”,
comandado por Alexandro Damas e que
trabalha com garotas carentes da
região leste. Outro projeto e um dos
mais antigos da cidade é o da equipe
Seven, que tem como coordenadora e
treinadora Juscelina Domingues, ela
que é
tia de Neto, craque do futsal e que
foi eleito o melhor jogador do mundo
em 2012.
Com 21 anos de fundação, a equipe
ainda luta para ver reconhecido o
valor do futebol feminino no país.
Juscelina trabalha também na
escolinha do UTC e que tem o apoio
da Futel. As meninas que passam da
faixa dos 17 anos são
automaticamente guindadas para o
Seven. Atualmente, o time está na
disputa da Copa Futel.
“O trabalho de base voltou a ser
feito hoje. Temos bem umas 40
atletas no UTC nas categorias de
base. Hoje a inserção das atletas é
sim um pouco mais tranquila, a gente
vê uma melhora na humanidade,
deixando alguns dogmas de lado. Hoje
os pais procuram o futebol para as
suas filhas, mas só acredito numa
melhora significativa quando tiver
uma Confederação Feminina separada,
não acredito que o futebol feminino
gerido por homens arcaicos vá gerar
uma grande mudança, só a mulher sabe
o que melhor pra ela”,
disse Juscelina.
COPA TI
Em Uberlândia está
acontecendo a Copa TI de Futsal,
destinada para pessoas que trabalham
no setor. Os jogos acontecem na
quadra 22 F no bairro Santa Mônica.
A grande novidade é que neste ano,
pela primeira vez, acontecerá a
disputa também entre as mulheres.
“Pela primeira vez na história,
mulheres da área de TI no Brasil tem
uma opção para melhorarem sua
qualidade de vida, pensando em um
novo esporte e até se conhecerem
fora da empresa. A maioria
esmagadora na área de tecnologia são
de homens, que chega a ter empresas
que não tem mulheres. Nas empresas
participantes a quantidade de
mulheres chega à 25%”,
disse João Junior, um dos
organizadores da competição.
Maria Angélica
Fernandes, de 39 anos, trabalha como
auxiliar de serviços gerais em uma
empresa de TI. Ela está jogando como
goleira de sua equipe e depois de
ouvir muito que futebol não é coisa
de mulher, decidiu enfrentar o
desafio e hoje não pensa como
antes.
“A princípio não tive muita
empolgação, mas fui mudando a
opinião e hoje sou mais forte
psicologicamente e fisicamente. A
empresa comprou matéria material
esportivo e nos incentivou muito.
Futebol não é esporte exclusivamente
de homens e as mulheres podem e
devem jogar. Ser mulher é se
dedicar, ser guerreira, ter
perseverança”,
disse Angélica garantindo que o
preconceito pode vir da própria
pessoa.
“Quando o time foi formado eu
relutei muito em participar, sendo
preconceituosa comigo mesmo, que eu
não conseguiria participar e que
ficaria apenas na torcida, em função
das meninas serem mais novas e eu
nunca ter praticado esportes. Mas
elas me incentivaram dizendo que
seria bom para mim, que seria
divertido e eu passei a acreditar em
mim mesmo”,
afirmou.