A
prática do esporte bretão
sempre foi comum nas
comunidades da periferia das
cidades, locais
privilegiados pela
abundância de campos de
várzea. Em toda baixada,
beira de córregos e alto de
morros havia campos de
futebol e, no Jardim
Montanhês e adjacências,
isto é, na Vila do Futuro,
Celeste Império, Padre
Eustáquio, Caiçaras, isso
era uma realidade. Nessas
vilas, o futebol era o lazer
dos domingos e envolvia
famílias inteiras, criando
laços de amizades regadas
também a rivalidades. No
entanto, nada violento como
hoje. Tudo o que não se
resolvia nos campos, era
resolvido no copo de cerveja
ou na dose da branquinha
após o sadio enfrentamento.
No
Jardim Montanhês, havia
vários campos de futebol. O
do Grêmio Mariano Esportivo
ficava no quarteirão da Av.
Pedro II, ladeada pela Rua
Vila Rica, Ramos de Azevedo
e Alvorada e o Córrego do
Pastinho contornava um dos
lados do campo. Nesse campo,
além do Grêmio, conhecido
por Congregação, jogava
também o Estrela Solitária.
Do outro lado do córrego,
nos limites da Rua Moema com
Camilo de Brito, ficava o
campo do Olaria Futebol
Clube, e sobre o Campo de
Aviação, referencia ao
Aeroporto Carlos Prates,
funcionou provisoriamente o
campo do Imperial que
pertencia à Vila Celeste
Império. Seguindo pela Rua
Vila Rica, no sentido do
alto da Vila do Futuro,
integrada física e
afetivamente ao Jardim
Montanhês, ficavam, lado a
lado os campos do 15 de
Novembro e do Canto de
Minas. De lá, descendo pela
Rua Carlos Góis chegava-se à
futura Av. Pedro II, onde se
localizava a horta do Sr.
Manuel português e era
depois dela, que ficava o
campo do Palmeiras. Mais
tarde, quando o Olaria
perdeu o espaço que tinha na
Rua Moema, construiu seu
campo às margens do
aeroporto, do lado oposto ao
do Palmeiras. Depois que
fizeram o Anel Rodoviário,
surgiu o time Campos Altos,
do Bairro São José, e fez
seu pequeno campo às margens
do anel.
Tianus em disputa no campo
do Grêmio
Vista dos campos Palmeiras e
Olaria
Nesses espaços democráticos
e, na maioria das vezes,
único lazer do lugar, em que
os times oficiais jogavam,
havia peladas diárias
praticadas pela garotada que
se divertia e que ia se
formando na arte de jogar
bola. Nesses campos de
várzeas do Jardim Montanhês
e arredores surgiram além do
Olaria, do Grêmio, do
Palmeiras, do Canto de
Minas, do 15 de Novembro e
do Estrela Solitária, outros
times como o Nacional
Atlético Clube e Deringondé,
que tiveram vida efêmera.
Além deles, outros
permaneceram por muito
tempo, como o Clube Atlético
Progresso e o Titanus.
Cada um desses clubes tinha
uma liderança. Sr. Bejo, pai
dos craques Guinim e Zé
Pescoço, uma família de
excelentes alfaiates, era o
comandante do Olaria, clube
que tinha as quatro
categorias, infantil,
juvenil, primeiro e segundo
quadros. Sr. Vicente, pai do
craque Pedrinho dirigia o
Palmeiras, depois Prudentina
que também contava as quatro
categorias. Padeiro, pai do
Magno, liderava o 15 de
novembro e era também o
técnico que aprontava uma
choradeira danada na beira
do campo como se usa até
hoje no futebol
profissional. Sr. Manoel
Gomes Júnior dirigia um time
de um quadro só, em que seu
filho Eugênio jogava com
seus amigos do bairro e da
zona sul da cidade. Sr.
Almir, um sujeito enérgico,
dirigia o time do Grêmio
Mariano Esportivo que era da
Igreja do Padre Eustáquio e,
para jogar nele tinha que
frequentar a missa, comungar
no quarto domingo do mês e
ainda levar uma vida
ilibada: sem farras, que
lembra de perto as atuais
concentrações dos clubes
profissionais. Além desses,
havia os times das empresas
e associações, entre elas o
time do Grupo de Ação e Vida
– GAV, que jogavam quase
sempre aos sábados porque
era aos domingos que o bicho
pegava nos campos de várzea
de toda a Belo Horizonte.
Infanto do Grêmio Mariano
Esportivo
Em pé, da esquerda para a
direita: Sr. Almir, Ênio,
Wellington, Ricardo,
Eugênio, Silvano e Jackson
Agachados: Gonçalo, Adilson,
Márcio, Zé Macaco e Osias
Palmeiras Futebol Clube
Em pé, da direita para a
esquerda: Carlos, Hélio,
Ronaldo, Carlinhos, Márcio,
Délcio, Carlos F., Efrain
Agachados: Letinho, Waldir,
Ronaldo, Iá e Osias
Estrela Solitária
Titanus no campo do
Palmeiras
Prudentina Futebol Clube
Em pé, da direita para a
esquerda: Letinho, Falecido,
Jorginho, Mauro Bacalhau,
Carinhos, Élcio e Hélio
Agachados: Fabinho, Carlos,
Fulano, Iá e Osias
Até os idos dos anos 80 a
maioria dos times se reunia
nos bares, cada um elegia um
bar para se encontrar.
Outros tinham o privilégio
de ter até vestiário às
margens dos campos para que
os jogadores se trocassem e
recebessem as instruções dos
técnicos.
Nos aniversários dos clubes
se promovia um festival e a
festa começava uma semana
antes, com a decoração dos
campos. Bambus eram cortados
e fincados, fazendo o
contorno do campo,
entrelaçados por bandeirolas
de papel de seda. O campo
era todo remarcado com
carvão ou tinta branca tipo
caiação, as traves recebiam
redes e o time festeiro
sempre estreava um uniforme
novo. Em todas as
categorias, Petiz, infantil,
Juvenil, primeiro e segundo
quadros, havia disputa de
taças, essas normalmente
oferecidas por empresários
ou por políticos quase
sempre ligados à região e
essas recebiam os seus
nomes. Também se contratava
um juiz do Departamento de
Futebol Amador (DFA), e a
cavalaria da PM era
convocada para manter a
ordem e não permitir a
invasão do campo. Eram
soldados montados à cavalo
com uma espada que se
acertasse em algum distraído
deixava um vergão enorme e
dolorido. Ao lado do campo,
quase sempre de terra ou com
pequenos espaços gramados,
ficava um pequeno palanque
conseguido junto à
Prefeitura Municipal, local
em que se fazia a entrega
dos troféus aos vencedores,
quase sempre o clube que
promovia a festa. O time
convidado era sempre um
rival de peso, mas que podia
ser derrotado naquela data
especial.
Diretoria do Palmeiras
Às
margens dos campos, os
moradores mais próximos
levavam banquinhos e
cadeiras e confortavelmente
assistiam às partidas,
incentivando os jogadores ou
mesmo fazendo críticas, mas,
com todo o respeito. Juiz
não precisava ser
respeitado, podia xingar à
vontade, mas, considerando
que havia moças e senhoras
na torcida, o vocabulário
precisava ser controlado,
isso, é claro, há muito
tempo atrás.
Os
times mais organizados,
entre eles o Olaria, o
Palmeiras, o Estrela
Solitária, o 15 de novembro
e o Canto de Minas,
costumavam disputar
campeonatos de futebol
amador, organizados pelo
DFA. Era comum sair para
jogar em muitos lugares da
cidade nas competições de
turno e returno. Eram
campeonatos longos, difíceis
e arriscados pela rivalidade
entre bairros mais
distantes. Em muitos desses
eventos o pau quebrava e
quando isso ocorria quase
sempre o visitante se dava
mal.
No
Jardim Montanhês e
adjacências, muitos craques
encantaram seus moradores.
Só para citar alguns que a
memória permite lembrar:
Sarampo, Samuel e Olavo, do
Imperial; Guinim, Taquinho,
do Olaria e do Estrela
Solitária; Zé Pescoço, do
Olaria; Bolão e Mauro, do
Palmeiras; Pedrinho, Lima
(Perna Bamba), Iá, Pelé e
Carlos goleiro, do Palmeiras
e do Prudentina; Ênio,
Alemãozinho, Fonseca, do
Grêmio, Zinho do Estrela
Solitária; os irmãos Zé
Baiano e Raimundo, do
Olaria. Certamente havia
outros muitos craques, um
deles o José Luiz Sandinha,
o Rique que jogaram em
alguns daqueles times sem
alguma regularidade. Além
desses, o Alemão padeiro,
que só jogava de calça
comprida, e tantos outros
que encantaram a vila com a
sua arte de jogar futebol.
Os
campos de várzea eram também
lugares que ajudavam a
alavancar a economia das
famílias da região. Muitos
eram os meninos que vendiam
bolinhos de feijão, pastel,
empadas, laranjas,
mexericas, refrescos e doces
nas beiras dos campos e isso
fazia a diferença, pois
representava um ganho extra
para as famílias nos finais
de semana.
A
festa do futebol quase
sempre terminava nos
botecos. Alguns deles
ficaram famosos no bairro, o
Bar do Sapo, na beira do
Córrego do Pastinho; o Bar
do Zé Magrelo, na Rua Bom
Retiro; o Bar do Zé do
Barranco, na Rua Alvorada
com Moema, O Bar do Nô e o
Bar do Gonçalo, na Rua
Alípio de Melo e o bar
frequentado pelos atletas do
Palmeiras, também na Rua
Alípio de Melo, próximo à
Rua Tomáz Brandão.