Enxergando
mais longe
Nilson,
filho de deficientes visuais, lutou até conseguir uma chance
para treinar no Cruzeiro
Já
via potencial no garoto.
Ele chegou e, sem nunca ter treinado em um campo gramado e
organizado, já se adaptou perfeitamente à posição
- Índio / treinador
Nem todas as histórias do futebol são marcadas pela
desonestidade e pela bagunça. Por vezes, o esporte nos
reserva passagens emocionantes. Como é o caso da lição de
vida do volante Nilson, de 14 anos, atualmente no infantil do
Cruzeiro. O garoto recebeu a reportagem do DIÁRIO DA TARDE em
sua casa, no bairro Nazaré, quase na divisa com Sabará. A
casa é humilde e bastante acolhedora, assim como toda a família
do jogador.
Nilson é filho de pais muito bem humorados, mesmo com deficiência
visual de 100%. A residência, porém, não possui adaptações
para deficientes visuais. Seu pai, Edésio Ferreira da Silva,
não enxerga desde os 15 anos, devido a uma meningite, e
trabalha como massagista no clube Jaraguá. Sou eficiente
visual, 100%, possuo luz interna própria , brinca Edésio.
Antes da conversa , a mãe do atleta, Olívia Souza Silva,
ofereceu um café à equipe do DT e, mais uma vez, aproveitou
para fazer piada. Aposto que você nunca tomou um café feito
por uma cega. O problema é que pode estar com sal, ao invés
de açúcar .
Nilson iniciou sua carreira há quatro anos e nove meses, nas
mãos de Índio, ex-jogador e ex-treinador das categorias de
base de Cruzeiro, Atlético e América, que coordena a escola
de futebol do Indianápolis há mais de 10 anos. Tudo começou
quando o garoto, que sempre fora um apaixonado pelo futebol,
pediu a seu pai, Edésio Ferreira, que tentasse sua entrada no
Atlético. Ingenuamente, ele ligou para o clube, a fim de
marcar um teste, ou coisa parecida. Coincidentemente, quem
estava passando perto do telefone e atendeu à ligação foi
Índio, então treinador da base atleticana. Edésio foi então
orientado a procurar uma escolinha, antes de tentar um grande
clube da capital. Nilson acabou entrando na escola do próprio
Índio, o Indianápolis.
Já via potencial no garoto. Ele chegou e, sem nunca ter
treinado em um campo gramado e organizado, já se adaptou
perfeitamente à posição , conta Índio. Olívia, a mãe do
jogador, relembra o dia em que Nilson foi descoberto pelo
Cruzeiro, um dia que ficou marcado na vida de toda a família.
Quando começou a jogar no Indianápolis, Nilson garantiu que
se daria bem na carreira para comprar uma casa para nós.
Quando meu filho tinha sete meses de escola, o Índio marcou o
jogo contra o Cruzeiro, justamente no dia de seu aniversário,
19 de novembro de 99. Como sou muito grata por tudo que o
treinador fez por nós, resolvi comprar um presente para ele.
Compramos um relógio e, quando o ônibus do Indianápolis
chegou para nos buscar, fui pegar o dinheiro para pagar a
passagem e reparei que havíamos sido roubados e levaram todo
o meu dinheiro. O Índio, que não costuma aliviar a passagem,
nos levou de graça , lembra.
O jogo
Quando os pais do garoto estavam na arquibancada, com a
partida em andamento, o então supervisor da base do Cruzeiro,
Marco Antônio Salim, chegou perto da mãe de Nilson e disse:
Você está vendo aquele número cinco do Indianápolis jogar?
. Como sou deficiente visual, lógico não estava vendo nada.
Mas não havia dois camisas cinco do mesmo time em campo. Então
eu sabia que era meu filho, e meu coração disparou. Logo
depois do jogo, o Índio chegou perto da gente e disse que
tinha duas notícias. A primeira é que iríamos ficar livres
desta mala (Nilson), e a segunda é que ele iria para o
Cruzeiro. Foi uma alegria geral, comemorou. A minha
expectativa, que sempre foi grande em relação ao futebol,
aumentou muito, só de estar no Cruzeiro. Vou continuar
lutando para garantir meu espaço, conta Nilson, que passa os
dias da semana na casa de um amigo, próxima à Toca da
Raposa, onde treina.
O jovem também foi um dos alunos da Escola Alternativa do
Cruzeiro e se formou na oitava série, no final do ano
passado. Os campeões brasileiros Gomes, Wendell e Recife também
se formaram na mesma data, em suas respectivas turmas.
Índio
O treinador sempre foi conhecido no meio do futebol como
disciplinador e durão. A imagem que eu passo é essa, mas na
verdade eu trabalho para formar homens, e o próprio Nilson é
um exemplo disso. Quando ele iniciou sua carreira, no Indianápolis,
chegou um dia para treinar e disse que não tinha comido nada.
Eu o xinguei muito, e até gritei que era para ele comer
alguma coisa, nem que fosse barro, conta. Para azar do
treinador, a mãe do garoto estava próxima ao vestiário,
ouviu tudo e se revoltou. Chamou Nilson e disse que, se ele
quisesse, sairia da escola na hora, pois esse Índio era muito
grosso. Além disso, nós somos pobres, mas nunca o meu filho
vai comer barro, disse Olívia. Foi quando Nilson a
surpreendeu e disse: Não quero sair da escola. O Índio não
está fazendo de mim somente um jogador, e sim um homem.
O técnico garante que já foi pior, mais bravo: A vida vai
moldando a gente. Às vezes, os pais levam seus filhos para a
escola, querendo que eles se tornem homens. Costumo dizer que
jogadores de destaque,que saíram da minha escola, só tenho
dois a destacar: Renato, do Atlético, e Gilton, que não
apareceu muito no Brasil, mas está no Colón, da Argentina.
Em contrapartida, advogados, engenheiros, psicólogos, tenho
muitos que passaram pelo Indianápolis. Às vezes tenho que
fazer papel de pai, mas, acima de tudo, formo homens, não só
jogadores.
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