Time
Amador de Honório Bicalho
conserva orgulho de ser o
primeiro Cruzeiro de Minas
Time
de Honório Bicalho, bairro de
Nova Lima, a 30 quilômetros
de Belo Horizonte, mantém
lembrança somente para os que
viveram a história
Entrada
do campo do Cruzeiro de Honório
Bicalho (Fotos:
Gabriel Medeiros /
Globoesporte.com)
É
difícil encontrar alguém que
nunca tenha ouvido falar do
Cruzeiro Esporte Clube. A
agremiação de Belo
Horizonte, que nasceu como
Palestra Itália, no dia 2 de
janeiro de 1921, foi fundada
por membros da comunidade
italiana da capital mineira.
Porém, durante a Segunda
Guerra Mundial, um decreto-lei
proibiu que entidades,
estabelecimentos e instituições
brasileiras usassem termos que
remetessem à Itália. O país,
ao lado de Alemanha e Japão,
fazia parte do Eixo, grupo de
países combatido pelas forças
aliadas. Dessa forma, o
Palestra passou a se chamar
Cruzeiro e sofreu modificações
também no uniforme. O
vermelho e o verde deram lugar
ao azul e ao branco, uma
homenagem à seleção
italiana.
Em
70 anos de história como
Cruzeiro, foram muitos títulos.
Em 1976 e 1997, o time
conquistou a América, ao
vencer a Taça Libertadores.
Em 1991 e 1992, chegou ao
bicampeonato da Supercopa.
Campeonatos Brasileiros foram
dois, em 1966 e 2003, sem
esquecer, é claro, dos quatro
títulos da Copa do Brasil. É
difícil não conhecer um time
que já teve ídolos como Tostão,
Dirceu Lopes, Nelinho, Raul
Plasmann, Roberto Batata, Sorín,
Ronaldo Fenômeno, Alex... É
difícil não conhecer o
grande clube celeste de Belo
Horizonte. Mas o que dizer de
um outro Cruzeiro, o de Honório
Bicalho? Será que os fãs de
futebol conhecem o primeiro
Cruzeiro de Minas Gerais?
Ele
foi fundado em 8 de março de
1932, por mineiros de Nova
Lima, cidade localizada a 30
quilômetros de Belo
Horizonte. Lá surgiu o
Cruzeiro Futebol Clube. A região
de Honório Bicalho, bairro
onde fica o campo do clube,
sempre recebeu muitos fiéis,
que faziam peregrinações
religiosas. Quando atingiam o
topo de algum morro, fincavam
uma cruz no local, que se
chamava cruzeiro. Como o campo
ficava ao lado de vários
morros e, consequentemente, de
vários cruzeiros, resolveram
batizar o clube com o nome de
Cruzeiro Futebol Clube.
Naquela época, a equipe
surgiu como uma alternativa
para os torcedores da região,
mas, com as dificuldades, não
conseguiu se manter entre os
profissionais do estado.
De
geração para geração
Mas
um time de futebol não
costuma ficar muito tempo sem
um rival. E com o Cruzeiro não
foi diferente. Já no início
da década de 1940, durante a
Segunda Guerra Mundial, surgiu
o Aliados, equipe de futebol
também de Honório Bicalho. O
nome do grande rival teve
influência da guerra, que
devastava a Europa. Como
acreditavam que o Cruzeiro era
um inimigo, resolveram batizar
o clube com o nome de Aliados,
para que, assim como nos
campos de batalha, o novo time
pudesse derrotar a equipe
adversária. A rivalidade, que
começou há 70 anos, continua
até hoje.
“Ainda
há a rivalidade. Acho que é
o que existe de mais
bonito”,
lembrou, entre sorrisos, Antônio
Leles, ex-jogador e
ex-presidente do Cruzeiro
Futebol Clube.
De
geração a geração, o
primeiro Cruzeiro de Minas
Gerais sobrevive. A cor verde,
diferentemente do azul do xará
famoso, segundo os mais
antigos, se deve à natureza
exuberante da região de Honório
Bicalho. A paixão pelo
futebol e, claro, pelo clube,
é passada de pai para filho.
Com Romero Ari, atual
presidente do clube, a história
não aconteceu de forma
diferente. Filho de um
ex-jogador e ex-dirigente do
Cruzeiro, Romero cresceu no
campo que ficava próximo de
casa. Como ele mesmo gosta de
dizer, alternava a rotina
entre a escola e as partidas
com os amigos.
“Meu
primeiro contato com o
Cruzeiro foi na infância.
Desde criança, está no
sangue. Meu pai foi presidente
e atleta, e eu não tinha
muita escolha. Estou aqui
desde pequeno, desde criança
mesmo. Nasci e praticamente
fui criado dentro desse campo.
Quando era criança, brincava
aqui. O bairro era muito mais
tranquilo, menor, praticamente
uma vila. Vínhamos para o
campo, não existia alambrado,
era campo aberto. Então, até
mesmo por morar próximo do
campo, vivia aqui. Era da
escola para o campo, do campo
para a escola”
O
contato com o futebol era diário.
Nas categorias de base, virou
lateral-direito, mas também
sabia atuar no meio-campo.
Depois disso, até atuou nos
juniores do Villa Nova, equipe
de Nova Lima, mas o trabalho
fez com que largasse o
futebol. O presidente, no
entanto, garantiu que era bom
jogador.
“Era
bom de bola. Há alguns
registros históricos. Na época,
tinha muita necessidade de
trabalhar e fiz a opção pela
Mineração Morro Velho. Aí,
abandonei”.
Hoje,
Romero não trabalha mais na
mineração. Divide o tempo
entre o cargo de funcionário
público na prefeitura e
presidente do Cruzeiro. Para
ele, o tempo de jogador era
muito mais tranquilo que os
atuais, em que tem de
administrar o time.
“Carregamos
uma responsabilidade com o
social, com a tradição do
clube. Sabemos que, hoje em
dia, para estar à frente de
uma instituição, tem que
estar preparado para tudo e
disponibilizar boa parte do
seu tempo, da sua vida. Se
deixar, morre. Graças a Deus,
temos um poder de renovação
muito grande. São famílias,
pessoas que já jogaram aqui e
têm o interesse de dar
continuidade. A
responsabilidade é muito
grande”.
Sem
comprovação
As
instalações do clube são
modestas. A sede social,
construída na década de
1960, é pequena e está
fechada para reforma. Como o
próprio Romero Ari reconhece,
o time nunca teve uma
estrutura adequada para, por
exemplo, conservar toda a
documentação histórica.
Assim, os documentos eram
guardados na casa do
presidente e mudavam de mãos
sempre que uma nova pessoa
assumisse o clube. Em 1997,
durante uma enchente na região,
a maioria dos registros históricos
foi perdida, o que
impossibilita a comprovação
oficial de que o Cruzeiro de
Honório Bicalho é o primeiro
de Minas.
“Perdemos
praticamente toda a história.
O principal era a ata de fundação,
que podia comprovar a existência
e o nascimento do clube. Mas
existem pessoas antigas, até
mesmo ex-presidentes, que
tiveram acesso ao documento.
Na transição de uma
diretoria para outra, o
presidente entregava os
documentos dentro de uma
caixa”.
O
campo, o mesmo desde a fundação
do clube, é pequeno e possui
uma estrutura bem simples,
apenas cercado por grades.
Perto delas, fica o bar do
Cruzeiro, que só abre em dias
de jogos. São dois vestiários
pequenos para as equipes e um
para o trio de arbitragem. Não
é fácil manter o clube,
ainda mais quando a ajuda
depende de voluntários, da
renda do bar nos dias de jogos
e das locações do campo.
É
esse o campo, o mesmo campo de
1932. Nunca tivemos outro. Fiz
um levantamento documental na
prefeitura e descobri que tínhamos,
de área, 27 mil metros
quadrados. Hoje, está muito
reduzido, em função do
crescimento desordenado. Para
manter o Cruzeiro, conto com
um quadro de voluntários,
pessoas antigas, que já
trabalharam aqui e assumem a
herança de pai para filho.
Eles têm isso aqui como uma
paixão. Além dos voluntários,
temos a fonte de renda, que é
a movimentação do bar em
dias de jogos, além das locações
de campo. O Villa Nova treina
uma vez por semana aqui”.
Antônio
Lelis, ex-jogador e
ex-presidente do clube
(dir.),
ao lado do zelador Antônio
Carlos
Escudo
do Cruzeiro de Honório
Bichalho
Presidente
Romero Ari com Marcelo,
volante
revelado no clube e hoje
jogador do Villa Nova
Futuro
O
Cruzeiro, embora nunca tenha
sido um clube profissional,
ainda hoje disputa torneios. A
principal competição da qual
participa é o Campeonato
Amador de Nova Lima, do qual
é tricampeão. Porém, não
existe um time fixo, com
treinos regulares, justamente
pelo fato de os jogadores
precisarem trabalhar. É difícil
montar um time às vésperas
de uma competição, com pouco
entrosamento para disputar
campeonatos.
Com
todas as dificuldades, as
categorias de base são a
grande preocupação do
Cruzeiro Futebol Clube. O
objetivo, além de formar
cidadãos conscientes, é
encontrar algum jogador para
ser aproveitado em um time
profissional. Caso do volante
Marcelo, revelado em Honório
Bicalho e hoje integrante do
elenco do Villa Nova, também
de Nova Lima.
“Aqui
não tem preto, branco, gordo
ou magro. Aqui, todos os
garotos, desde que estejam
devidamente cadastrados e
liberados com condições médicas
para praticar o esporte, podem
participar. Mas, naturalmente,
absorvemos jogadores de
qualidade”,
destacou o presidente Romero
Ari.
O
Cruzeiro do interior, com
todas as dificuldades, segue
sua vida. Os responsáveis
buscam, de todas as formas,
garantir condições para que
o clube possa crescer. De
qualquer forma, mesmo sem o
brilhantismo histórico do xará
de Belo Horizonte, mantêm o
orgulho de ser o primeiro
Cruzeiro de Minas Gerais.