Juan
Alberto Schiaffino –
Meia-atacante – Montevidéu,
Uruguai - 28/07/1925
Vinte
minutos do segundo tempo. No
centro do campo, a bola alcança
os pés de Gambetta. Com
calma, ele levanta a cabeça e
observa a passagem de Julio Pérez.
Lança-lhe a bola. Pérez
recebe e Danilo se posta em
sua frente. O brasileiro dá o
combate, mas o meio uruguaio
consegue reter o domínio. Pérez
gira e encontra Obdulio
Varela. O Gran Capitán passa
para Ghiggia. Rápido, o
atacante uruguaio investe
contra Bigode. Dele se
desvencilha e ruma à lateral.
Não há outra opção, o
cruzamento é para trás.
A bola viaja rasteira ao
gramado e o barulho é
ensurdecedor. No outro
extrema, Juan Alberto
Schiaffino se projeta para
alcançá-la. Juvenal não
corta. Desesperado, percebe a
passagem do adversário. De
primeira, um balaço,
Schiaffino fuzila o ângulo
esquerdo de Barbosa. Uruguai
1-1 Brasil. Silêncio de 200
mil vozes. Em pleno Maracanã,
o Brasil começa a perder a
Copa do Mundo.
Incrédulo e acuado, o Brasil
nem mais consegue segurar o
empate que lhe garantiria o título.
A seleção uruguaia marcaria
o segundo gol, numa das
maiores zebras da história do
futebol e conquistava pela
segunda vez a Copa do Mundo.
Quis o destino que coubesse a
aquele magrelo atacante
uruguaio o gol que mudaria a
história daquela tarde de 16
de julho, há distantes cinco
décadas. Com seis gols,
Schiaffino foi o artilheiro da
Celeste e era a grande estrela
de sua seleção. Na estréia,
contra a Bolívia, marcou 5
vezes na goleada por 8 a 0.
Juan Alberto Schiaffino é
considerado por muitos o
melhor jogador uruguaio de
todos os tempos. Alto, magro e
elegante, destacava-se pelo
arranque e pelos chutes
certeiros. Sua habilidade era
nata: extremamente frio e técnico,
parecia não fazer nenhum
esforço para jogar futebol.
Ainda que atuando como meia,
costumava marcar muitos gols e
ser artilheiro de suas
equipes.
Torcedor do Nacional, ainda
menino jogou na equipe
tricolor. Com 17 anos, acabou
levado ao Peñarol pelo seu
irmão mais velho, que lá
jogava. Suas primeiras atuações
lhe valeram o apelido de
"Pequeño Maestro",
uma alusão a José
Piendibene, o grande jogador
uruguaio desta época, que era
chamado de "Gran
Maestro". Se alguns
classificavam a comparação
como precipitada, Schiaffino
tratou de não decepcionar nem
mesmo estes seus admiradores
mais afoitos.
Com 19 anos, participou da
seleção uruguaia que
conquistou a Copa América de
1942, em seu país, batendo a
Argentina na final. Virou
presença certa nas convocações
e poderia ter brilhado muito
mais, não fosse o fato da II
Grande Guerra Mundial impedir
a realização da Copa do
Mundo em 1946.
Com o Peñarol, ganhou seis
campeonatos nacionais (44, 45,
49, 51, 53 e 54). Neste ano,
disputou sua segunda Copa do
Mundo, desta vez na Suíça.
Machucou-se e enfraqueceu a
Celeste, que caiu frente à
poderosa Hungria, naquela que
foi a primeira derrota da história
do futebol uruguaio em Copas
do Mundo. Um jogo memorável,
entre duas das mais
promissoras equipes daquela
competição.
O Uruguai estava fora da
disputa do título, mas o
talento de seu grande craque
fora confirmado. Na vitória
sobre a Escócia (goleada por
7 a 0), o meia Tommy Docherty
saiu de campo maravilhado com
o futebol do jogador uruguaio:
"É o melhor atacante
contra quem já tive
oportunidade de jogar. Estou
encantado".
Os italianos do Milan não
perderam tempo e pagaram mais
de 100 mil dólares ao Peñarol
pelo seu futebol. Chegou para
preencher a lacuna deixada na
saída do sueco Gunnar Gren,
que formou com Gunnar Nordhal
e Nils Liedholm o inesquecível
trio "Gre-No-Li" do
início da década de 50. Numa
equipe em que ainda jogavam
Cesare Maldini e Fontana,
Schiaffino conquistou três
campeonatos italianos (55, 57
e 59), além de ter ficado com
o vice da Liga dos Campeões
em 58, perdendo a final para o
Real Madrid.
Sua qualidade não demorou a
ser percebida na Itália. Após
menos de seis meses no Milan,
recebeu o convite para atuar
também na seleção daquele
país (naquela época,
permitia-se aos jogadores
atuarem em seleções
diferentes, desde que fossem
naturalizados). O sucesso com
a Celeste, no entanto, não se
repetiu com a Azurra, que só
foi defendida por Schiaffino
em quatro oportunidades.
Depois de 145 partidas e 49
gols, deixou o Milan para
jogar na Roma. Aos 34 anos, já
não era o mesmo e estava no
fim de sua carreira. Mesmo
assim, ainda ajudou a equipe
na conquista da competição
antecessora à Copa da UEFA,
em 61. Despediu-se na mesma
Roma três temporadas depois,
em 1962, deixando saudades.
Até hoje, Juan Schiaffino
segue como um mito no Uruguai.
Falar de suas façanhas é
lembrar de um futebol uruguaio
de um passado distante, quase
esquecido. É contar as histórias
de uma Celeste que encantou e
surpreendeu o mundo.
"Quando percebi que
Ghiggia cruzaria para trás,
programei chutar no canto
direito. Só que peguei errado
e a bola foi no ângulo
esquerdo, indefensável para
Barbosa. Nunca teria feito a
jogada daquele jeito. Não era
lógico"
(Juan Alberto Schiaffino,
explicando como marcou o
primeiro gol do Uruguai, na última
partida da Copa do Mundo de
1950)
"Tenho que ser
sincero: nunca achei que
ganharíamos do Brasil. Se tivéssemos
jogado mais 100 vezes, perderíamos
99"
(Juan Alberto Schiaffino,
sobre a última partida da
Copa do Mundo de 1950)
"Jogamos no erro do
Brasil. Os jogadores
brasileiros se sentiam campeões
antes da partida e isso lhes
custou caro. Éramos uma
equipe experiente, sobretudo
na zona defensiva, o que nos
permitiu segurar o empate sem
gols no primeiro tempo"
(Juan Alberto Schiaffino,
sobre a última partida da
Copa do Mundo de 1950)
"Foi um cenário muito
triste. Todo mundo chorava. Os
torcedores, os jogadores
brasileiros. Nunca havia visto
ninguém chorar daquela
maneira em um campo de
futebol. Foi impactante.
Depois de algum tempo, nós
mesmos começamos a sentir
pena e choramos junto aos
adversários"
(Juan Alberto Schiaffino,
sobre a última partida da
Copa do Mundo de 1950)
"Embora isso pareça
incomum, foi a primeira vez em
minha vida em que senti algo
que não era ruído. Senti o
silêncio. Parecia que tudo
havia terminado"
(Juan Alberto Schiaffino,
sobre o momento após o seu
gol na última partida da Copa
do Mundo de 1950)
"Vencemos a melhor
equipe que já
enfrentamos"
(Gyula Mandi, técnico húngaro,
após vencer na prorrogação
o Uruguai, na semifinal da
Copa de 1954)
"Pepe Schiaffino, com
suas jogadas magistrais,
armava o jogo do seu time como
se estivesse lá na torre mais
alta do estádio, vendo o
campo inteiro"
(Eduardo Galeano, escritor
uruguaio, em seu livro
"Futebol ao Sol e à
Sombra")
"Deixei de acreditar em
Deus no dia em que vi o Brasil
perder perder a Copa do Mundo
no Maracanã."
(Carlos Heitor Cony, escritor)
"Tinha preparado um
discurso bonito para a entrega
do troféu. Diria que ele era
destinado ao país que
praticava o futebol mais
virtuoso do planeta."
(Jules Rimet, presidente da
FIFA na época da Copa de
1950, lamentando a derrota do
Brasil)
"Nós ficamos em pedaços."
(Bigode, jogador da seleção
brasileira na Copa de 1950)
"A única copa que não
programou uma final teve a
final mais emocionante de
todas."
(Brian Glanville, jornalista
inglês, sobre a Copa de 1950,
no Brasil)
"Foi o imponderável que
liquidou todas as nossa
pretensões."
(Flávio Costa, treinador
brasileiro na Copa de 50,
quando o Brasil perdeu no
Maracanã a final contra os
uruguaios)