Durante
sua carreira de 29 anos como técnico
de futebol, Telę Santana
sempre esteve ŕ mercę
do julgamento passional dos
torcedores e da imprensa
brasileira, que ora o
endeusavam, ora o
crucificavam, de acordo com os
resultados obtidos em campo.
Mas, nem as piores críticas
eram capazes de mudar suas
características. Com a sua
famosa "teimosia",
Telę parecia querer nos
dizer: "Um dia vocęs
verăo que é possível
vencer jogando o
futebol-arte". Quando, em
1996, foi forçado por uma
isquemia cerebral a abandonar
a boca do túnel, mais do que
os títulos que conquistou
como treinador, sua maior vitória
havia sido o reconhecimento de
todos os brasileiros, que já
năo tinham dúvida em
afirmar que o futebol
brasileiro estava perdendo seu
técnico mais genuíno e, por
que năo dizer, o melhor
de todos os tempos.
Ironicamente, a consagraçăo
como técnico acabou relegando
a um injusto segundo plano a
importância de Telę como
jogador. As novas geraçőes
pouco sabem a respeito do Fio
de Esperança, o ponta-direita
que, por 12 anos, defendeu o
Fluminense com técnica e,
principalmente, dedicaçăo
e aplicaçăo tática
impressionantes e inovadoras
para a época. Chegou a ser
convocado para a Seleçăo
Brasileira algumas vezes,
embora nunca como titular.
Telę chegou ao Tricolor
das Laranjeiras aos 19 anos,
em 1950. Viera tentar a sorte
no futebol do Rio de Janeiro,
depois de se destacar em
equipes amadoras de Itabirito,
onde nasceu, e Săo Joăo
del Rey, cidades do interior
de Minas Gerais. A primeira
tentativa, na verdade, ocorreu
em 1949, no Vasco da Gama.
Mas, Telę năo
agradou e, no mesmo ano, foi
aprovado no Fluminense, embora
já no fim da temporada. Mas,
no ano da Copa do Mundo, após
passar também pelo Botafogo,
o jovem mineiro ingressou
definitivamente no seu time do
coraçăo, ajudando o Flu
a conquistar o tri-campeonato
juvenil naquela temporada.
Em 1951, Telę foi lançado
pelo técnico Zezé Moreira no
time profissional do
Fluminense, pelo qual atuou até
1961, sempre como titular. Além
de títulos, ele conquistou
amizades que duram até hoje,
como as de Píndaro, Orlando
Pingo de Ouro e Escurinho.
Introduzindo um novo de estilo
de jogo para a posiçăo -
com muita movimentaçăo e
marcando a saída de bola do
adversário -, o ponta-direita
Telę ajudou o Tricolor a
conquistar o Campeonato
Carioca daquele ano.
Na temporada seguinte, o Flu
conquistou a Copa Rio, um
torneio internacional
considerado uma espécie de
campeonato mundial de clubes,
embora năo reconhecido
oficialmente. Telę também
conquistou, sempre pelo time
das Laranjeiras, o Campeonato
Carioca de 1959 (mais uma vez
com Zezé Moreira como técnico)
e dois Torneios Rio-Săo
Paulo, em 1957 (quando a
competiçăo passou a se
chamar Roberto Gomes Pedrosa)
e 1960. Depois do Fluminense,
Telę passou por Guarani,
Madureira e Vasco, encerrando
a carreira em 1965.
Para năo se afastar
completamente do futebol,
passou a jogar pelo time de
veteranos da Associaçăo
Desportiva do Estado da
Guanabara, quando começou a
pensar na possibilidade de se
tornar técnico. Em 1967, foi
convidado para treinar o time
infanto-juvenil do Fluminense,
sagrando-se campeăo
carioca da categoria naquele
mesmo ano, chegando a dirigir
interinamente o time
principal. No ano seguinte,
foi "promovido" a
treinador da equipe juvenil e,
mais uma vez, conquistou o título
carioca. Os dois títulos o
levaram a assumir de vez o
comando dos profissionais do
Tricolor. E o início da
carreira năo poderia ter
sido melhor, com a conquista
do Campeonato Carioca de 1969.
Apesar da vitória, Telę
deixou as Laranjeiras e
aceitou o convite para treinar
o Atlético Mineiro. No Galo,
levantou as taças do
Campeonato Mineiro de 1970
(quebrando uma série de cinco
títulos do Cruzeiro) e da
primeira ediçăo do
Campeonato Brasileiro, em
1971. Cinco títulos em cinco
anos como técnico.
Nessa época, Telę já
mostrava suas principais
características: valorizar
jogadores recém saídos das
divisőes de base e formar
times ofensivos. De 1973 a
1976, passou por Săo
Paulo, Atlético Mineiro
novamente e Botafogo. Mas, Telę
só voltou a conquistar um título
em 1977, quando deu ao Gręmio
o Campeonato Gaúcho, depois
de oito anos na fila. Em 1979,
trabalhou no Palmeiras,
formando um bom time, porém
sem conquistar nenhum
campeonato.
Telę chegou ŕ Seleçăo
Brasileira em 1980, com a missăo
de classificar o time para a
Copa do Mundo de 1982, na
Espanha. Nas Eliminatórias e
nos amistosos preparatórios,
o Brasil e o mundo se
encantaram com a seleçăo
canarinho. O final da história,
porém, todos já conhecem: 3
a 2 para a Itália e a eliminaçăo
precoce de uma das melhores
equipes já formadas no país.
Em 1983, Telę deixou a
seleçăo e partiu para a
Arábia Saudita, onde treinou
o Al Ahli até maio de 1985,
sendo campeăo árabe, da
Copa do Rei e da Taça do
Golfo Pérsico. No mesmo período,
a Seleçăo Brasileira
teve tręs técnicos.
Depois dos fracassos de Carlos
Alberto Parreira, Edu Coimbra
e Evaristo de Macedo, a CBF se
rendeu e trouxe Telę
Santana de volta ao comando da
seleçăo.
Mas, na Copa do México, em
1986, o Brasil năo foi
nem sombra do time de quatro
anos antes e saiu nas
quartas-de-final, depois de
perder para a França nos
tiros da marca do pęnalti.
Telę também colecionou
problemas com a imprensa e
deixou a seleçăo com a
imagem de técnico
mal-humorado, teimoso e
"pé-frio". Por mais
de um ano, Telę ficou
afastado do futebol - năo
por falta de convite, é
claro! -, mas em 1987,
retornou ao Atlético Mineiro,
conquistando o Campeonato
Estadual no ano seguinte.
Entre 1998 e 1999, treinou,
ainda, Flamengo, Fluminense e
Palmeiras, mas năo
conseguiu nenhum título.
Em 1990, começou a Era Telę
no Săo Paulo. Campeăo
paulista e brasileiro, em
1991. Bi-campeăo
paulista, Campeăo da
Libertadores, do Mundial
Interclubes e da Recopa
Sul-Americana, em 1992. Bi da
Libertadores, do Mundial e da
Recopa, e campeăo da
Supercopa da Libertadores, em
1993. Dez títulos em tręs
anos. Telę ainda ficou no
Săo Paulo até janeiro de
1996, quando sofreu uma
isquemia cerebral. Durante o
período de recuperaçăo,
chegou a acertar com o
Palmeiras no fim do ano, mas
em abril de 1997, rescindiu o
contrato sem sequer ter
iniciado o trabalho. Ainda năo
estava completamente
recuperado.
Desde entăo, a vida de
Telę Santana tem sido
receber homenagens, talvez
pela sua brilhante campanha
ŕ frente do Săo
Paulo. Quem sabe, por ter
dirigido uma seleçăo que
perdeu a Copa, mas ganhou a
admiraçăo de todo o
mundo? Ou, entăo, por ter
sido o primeiro técnico campeăo
brasileiro? Ou será porque
ele conquistou os quatro
principais campeonatos
estaduais do Brasil: do Rio,
de Săo Paulo, de Minas
Gerais e do Rio Grande do Sul?
Năo importa o motivo.
Talvez, sejam apenas
agradecimentos por ele,
ganhando ou perdendo, ter
levado sempre a campo equipes
que jogavam o genuíno futebol
brasileiro, o futebol-arte.
"Se o Zezé me chamasse
para jogar no Belenenses, eu
ia. Tudo o que sei devo a
ele."
(Telę, sobre Zezé
Moreira, seu primeiro técnico
no profissional do Fluminense)
"Năo tive a honra de
defendę-la. Tive chance.
Fui convocado."
(Telę, sobre sua frustraçăo
por nunca ter sido titular da
Seleçăo Brasileira)
"Telę era meu irmăo
branco. Sempre me orientava em
tudo que eu fazia. Eu era
muito jovem e entăo ele
dizia: 'Faça assim, năo
faça assado...' Graças a
Deus, segui seus
conselhos."
(Escurinho, companheiro de Telę
no Fluminense da década de
50)
"O gol foi aplaudido de pé
pela própria torcida e pelos
jogadores do Fluminense. Nunca
sofri tanto por fazer um
gol."
(Telę, sobre o único gol
que marcou contra o
Fluminense, jogando pelo
Madureira)
"Quando parei de jogar
fiquei desesperado. O amor
pela bola năo me permitia
sair dos campos. Fiquei
jogando pela Adeg, mas minha
idéia era ser
treinador."
(Telę, sobre sua transiçăo
de jogador para técnico)
"Năo virem de
costas, olhem a bola... ela é
o instrumento de trabalho de
vocęs e nunca deve ser
perdida de vista."
(Telę, orientando seus
jogadores num treino do Săo
Paulo, em 1973)
"Bota ponta Telę!"
(Zé da Galera, personagem do
humorista Jô Soares, na época
da Copa do Mundo de 82)
"Quando a torcida começou
a chamar o treinador de burro,
eu achei altamente ofensivo -
para os burros."
(Renato Gaúcho, ex-atacante
da Seleçăo Brasileira,
referindo-se a Telę
Santana)
"Se tivesse que fazer
tudo de novo, repetiria os
mesmos métodos. Mas, é lógico
que uma derrota como essa
obriga que a gente reformule
um pouco. Mas, mantenho-me
fiel ao meu estilo e aos meus
princípios. Defendo com
intransigęncia o
futebol-arte."
(Telę, após a derrota
para a Itália, na Copa do
Mundo de 82)
"Cansaram de me falar:
com futebol limpo, sem
defensivismo, năo se
chega a lugar algum. Desde
1982 ouço esta história. Taí
o Săo Paulo que provou
que pode ser campeăo sem
qualquer tipo de deslealdade.
Espero que o exemplo sirva
para o futebol
brasileiro."
(Telę, sobre o Săo
Paulo campeăo mundial
interclubes em 1992)