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MILLA

Albert-Roger Milla – Atacante – Yaoundé, Camarőes – 20/05/1952

"Sabe tudo de bola o Roger Milla!", gritava Galvăo Bueno, celebrando o assombro que dominava o Giuseppe Meazza naquele 8 de julho de 1990. Era o jogo inaugural do Mundial da Itália e Milla, que entrara no lugar de Makanaky no segundo tempo, comandava a zebra histórica: Camarőes um, Argentina zero.

Diego Armando Maradona declarara dias antes: "Quem quiser a Copa vai ter que tirá-la de Maradona e seus companheiros." Mas era Milla quem tinha a bola, e os companheiros de Don Diego corriam atarantados na vă esperança de tirá-la dos pés do número nove camaronęs. Gabriel Humberto Calderón, como um touro furioso, investiu contra Milla na altura do grande círculo. Milla escondeu a bola com o pé direito, arrumou o corpo como se fosse rumo ao campo de defesa, mas girou velozmente e arrancou para o campo de ataque deixando Calderón batido. Artisticamente driblou mais dois adversários e rolou para Omam Biyick, que quase marcou o segundo. Năo precisava, os campeőes mundiais estavam batidos. Quem foi rever Maradona, Caniggia e Burruchaga, viu Roger Milla.

No jogo seguinte, contra a Romęnia de Popescu, Hagi e Lacatus, a seleçăo de Camarőes provou que tinha mais para mostrar. Dois a um para os africanos, dois gols de Milla. No primeiro, dividiu com o zagueiro e deslocou o goleiro com o pé esquerdo. No segundo, driblou um adversário com toque rápido de pé esquerdo, invadiu área e chutou forte, com o pé direito, no ângulo. O Mundial da Itália virara o Mundial de Milla.

Nas oitavas-de-final, um confronto contra a escola sul-americana. A Colômbia de Higuita, Valderrama e Rincón já năo era a favorita, embora dela se esperasse muito no início da competiçăo. Mas quem pode com Roger Milla, que tabela com Omam Biyick, dá um corte seco para passar entre Oscar Perea e Escobar para ficar cara a cara com Higuita e chutar de pé esquerdo, no alto, indefensável? Talvez pensando em dar o troco, Higuita tentou driblar Roger Milla na intermediária pouco depois. Perdeu a bola e viu o camaronęs entrar sozinho na área para rolar a bola para o gol vazio.

Na comemoraçăo dos gols contra a Colômbia, como um menino, Roger Milla correu até a bandeirinha do escanteio. Ao seu redor, ensaiou um samba esquisito, conseqüęncia de sua alegria indisfarçável. Há tręs anos, abandonara a seleçăo de seu país, por se crer já velho demais. Pareciam distantes os anos de glória no futebol francęs. Agora defendia o Saint Pierre, nas Ilhas Reuniăo. Atendeu, no entanto, um pedido do presidente camaronęs, Paul Biya, que clamava por sua presença para ajudar a seleçăo na Copa da Itália. Aos 38 anos, aceitou a convocaçăo e agora via que valera a pena.

Milla acabara de transformar a geografia do futebol mundial. Fizera do até entăo simpático e inofensivo futebol africano uma ameaça ŕs forças tradicionais. Pela primeira vez na história, uma equipe daquele continente chegava ŕs quartas-de-final de uma Copa do Mundo.

Sua história começara duas décadas antes, quando foi recrutado pelo Léopard de Douala para jogar profissionalmente. Na temporada seguinte, conquistou o campeonato camaronęs, além de alcançar as semifinais da Copa de Camarőes.

Transfere-se para o Tonnerre Kalara Club de Yaoundé, pelo qual consegue mais dois títulos: a Copa de Camarőes e a primeira Copa dos Campeőes da África. Aos 23 anos, é eleito melhor jogador de seu país. No ano seguinte, ganha o pręmio de melhor jogador do continente africano, chamando a atençăo do futebol europeu.

O Valenciennes, do norte da França, adquire a promessa. Duas temporadas de problemas de relacionamento e tentativa de mostrar o seu valor. Ao contrário do salário milionário que lhe fora prometido, Milla năo recebe mais que 500 dólares mensais, valor incompatível com seu futebol. O reconhecimento tampouco vem com a transferęncia para o Monaco, onde acaba passando apenas um ano.

Em 1980, assina com o Bastia, clube pelo qual finalmente voltará a desempenhar o bom futebol de anos atrás. Termina a temporada com nove gols marcados. No ano seguinte, enfrentaria o poderoso Saint-Etienne de Michel Platini na final da Copa da França. Com um gol do rápido atacante camaronęs, o Bastia fica com o título.

Ainda neste ano, marca 6 gols nas Eliminatórias para a Copa da Espanha, levando o seu país pela primeira vez para a mais importante competiçăo do futebol. Na Espanha, foram tręs empates em tręs jogos, um deles contra a Itália, que acabou campeă do torneio. Dois anos depois, os Leőes Indomáveis ficavam com o título da Copa das Naçőes Africanas, o que se repetiu em 88. Milla virara ídolo nacional, mas decide que já é hora de dizer adeus ŕ sua seleçăo.

Dois anos antes, Milla havia sido contratado pelo Saint-Etienne, clube que ajudaria, com dezenas de gols, a voltar para a primeira divisăo. Com 36 anos, ainda recebeu crédito do Montpellier, ajudando também na subida da equipe para a divisăo principal. Ao todo, foram mais de 150 gols pela liga francesa.

É entăo que Milla parte para o que seria o final de sua carreira. Se transfere para as Ilhas Reuniăo, no Pacífico Oriental. Atuando pelo Saint Pierre, ajuda o time a conquistar o campeonato local em 1990.

Com a seleçăo camaronesa voltando ŕ Copa do Mundo, Milla se vę diante de uma inesperada convocaçăo. Se ninguém duvidava de seu potencial, năo seria ele que o faria. Entrando no decorrer das partidas, por năo ter mais preparo para os 90 minutos, Milla se consagra como o grande jogador da equipe africana que encanta o mundo. 

O sonho camaronęs termina na partida contra a Inglaterra, em uma derrota por 3 a 2. Mas Roger Milla já havia feito o bastante para voltar a ser eleito o melhor jogador africano do ano e entrar para a história do futebol mundial.

Como num prolongamento de um sonho, Milla inacreditavelmente volta na Copa de 1994, nos Estados Unidos. Na partida contra a Rússia, em que Camarőes é goleado por 6 a 1, o gol de honra é marcado por ele, entăo com 42 anos, tornando-se o mais velho jogador a marcar um gol em uma Copa do Mundo.

No final da década de 90, Roger Milla começou a trabalhar como embaixador africano e foi eleito o melhor jogador da história deste continente. Homenagens justas ao homem que romantizou a história moderna do futebol.


"O futebol é um esporte. É preciso primeiro amá-lo, para só depois praticá-lo"
(Roger Milla, maior jogador africano de todos os tempos)

"Jogar futebol năo é uma questăo de idade, mas de inteligęncia e personalidade. E tudo está muito claro dentro de minha cabeça"
(Roger Milla, maior jogador africano de todos os tempos)

"O que nós, jogadores africanos, fazemos năo é para nós mesmos nem para nossos países, mas para nosso continente"
(Roger Milla, maior jogador africano de todos os tempos)

"Se eu fosse 20 anos mais jovem, ganharia muito dinheiro. Năo sei se ganharia tanto quanto Ronaldo, mas ganharia dele no pręmio de melhor jogador do mundo"
(Roger Milla, maior jogador africano de todos os tempos)

"Há jogadores hoje em dia que, embora ganhem milhőes e milhőes, nunca farăo o que eu fiz pelo futebol, nunca realizarăo o que eu realizei. E isso me basta"
(Roger Milla, maior jogador africano de todos os tempos, perguntado se lhe incomodava o fato de năo ter jogado na época atual, quando a remuneraçăo do atleta é bem maior)