Dunga.
O símbolo de duas eras no
futebol brasileiro. Um exemplo
de vitória pessoal, superação
dos limites técnico, e acima
de tudo, de alguém que soube
dar a volta por cima. Em 4
anos, passou de herói a vilão
na seleção mais temida,
amada e odiada do mundo: a
Seleção Brasileira. Nunca
foi um jogador excepcional, de
talento nato. Mas seus gestos,
seu excelente conhecimento tático,
sua capacidade de
posicionamento, liderança e
orientação dentro de campo,
seu aprimoramento técnico ao
longo dos anos e, acima de
tudo, sua vontade de vencer,
foram essenciais para que
colocasse seu nome na história
do futebol brasileiro e
mundial.
Dunga nasceu em Ijuí-RS, e
logo se destacou jogando em
times amadores da região. Foi
levado por Emídio Perondi
(atualmente presidente da
Federação Gaúcha de
Futebol), para o time juvenil
do Inter. Lá, o mestre Abílio
dos Reis viu que aquele
jogador baixinho, que jogava
como meia amador e marcava
muitos gols, poderia ser
utilizado como volante. Foi
nesta posição que se
destacou, sendo convocado para
a Seleção Brasileira, que
disputou o Mundial de Juniores
no México. Ao lado de Bebeto
e Geovani, ajudou o Brasil a
conquistar o primeiro título
mundial na categoria. No ano
seguinte, outra conquista: o
tetracampeonato gaúcho e a
histórica Medalha de Prata
nos Jogos Olímpicos de Los
Angeles, feito até hoje não
superado.
De volta ao Brasil, Dunga foi
vendido à Fiorentina, da Itália.
Ao invés da viagem à Europa,
no entanto, preferiu-se que o
jovem Dunga permanecesse no
Brasil, para ganhar mais
experiência. Foi emprestado,
então, ao Corinthians, onde
acabou ficando mais tempo do
que era esperado: dois anos e
meio. Pelo clube paulistano,
ganhou o estadual de 1984 e o
torneio de Los Angeles, no ano
seguinte. Virou ídolo de uma
das maiores torcidas do País.
Em 86, passaria a defender as
cores do Santos. A passagem
foi rápida e sem muito
brilho. O Vasco acreditou no
jogador e o levou para o Rio
em 1987. Passou apenas um
semestre no clube de São Januário,
conquistando o título
estadual. Embora tenha ficado
tão pouco tempo, acabou
caindo nas graças também dos
vascaínos.
Foi sua última conquista por
clubes brasileiros. Ainda em
87, finalmente embarcaria para
a Itália, mas ainda não para
a Fiorentina, dona de seu
passe. Com muitos
estrangeiros, a equipe de
Florença optou por dar a
Dunga mais um "estágio",
mandando-o para o Pisa, que
estava ameaçado de
rebaixamento. Dunga mostrou
que não precisava mais de
tantos testes. Ajudou o
modesto Pisa a se manter na Série
A, com a 13ª colocação. Na
histórica vitória por 2 a 1
sobre a Internazionale, marcou
um gol do meio-de-campo sobre
o lendário Walter Zenga.
A Fiorentina abriu os olhos e,
na temporada seguinte, já
contava com o jogador em seu
elenco. Lá, o "capitão"
permaneceu por 4 anos fez
tanto sucesso que até hoje,
quando a torcida quer pedir
reforços para o meio-campo,
refere-se a "um Novo
Dunga". Seu auge ocorre
na final da Copa da UEFA, em
1990, quando a equipe é
derrotada na final pela
Juventus.
Em 92, deixava a Fiorentina e
voltava a um clube pequeno da
Itália, dessa vez o Pescara.
O nomadismo voltara e, na
temporada seguinte, Dunga já
estava de malas prontas para a
Alemanha, onde jogaria no
Stuttgart. Seu estilo de jogo
se adaptou perfeitamente ao
futebol alemão, onde também
foi bem sucedido. Foi nesta época
que capitaneou a seleção
brasileira campeã mundial nos
Estados Unidos, em 94.
Extremamente valorizado com a
conquista, cedeu aos ienes
japoneses e foi à Terra do
Sol Nascente, onde defendeu o
Jubilo Iwata. Virou uma espécie
de herói nacional, tamanha é
a adoração do povo japonês
por ele. Foi no Japão que
Dunga conseguiu seu primeiro título
nacional, em 1997. No mesmo
ano, foi eleito o melhor
jogador da temporada.
Perceba que até agora quase
nada foi dito sobre sua
carreira com a seleção
brasileira. É que esta merece
um capítulo à parte. Não se
deve misturá-la com suas
passagens pelos clubes.
Sua trajetória pela Seleção
principal começou com Sebastião
Lazaroni. Conquistou a Copa América
89, disputada no Brasil. Então,
o primeiro estigma que teria
que carregar pelo resto da
carreira: após críticas ao
estilo "feio" de
jogar da Seleção Brasileira,
Lazaroni teria dito que agora
responderia que havia chegado
a hora da "Era
Dunga", era de jogadores
operários, sem muito brilho
individual e com muito senso
coletivo. Titular da Seleção
Brasileira durante a péssima
trajetória na Copa do Mundo
de 90, Dunga afundou ao lado
de seus companheiros e viu o
Brasil ser eliminado pela
Argentina ainda nas oitavas de
final. A "Era Dunga"
chegara ao fim, diziam seus
ferozes críticos.
Dunga passou 2 anos sem ser
convocado, mas Carlos Alberto
Parreira não se importou com
as críticas e o chamou para
as eliminatórias da Copa do
Mundo de 94. Dunga mostrou bom
futebol. Claramente
demonstrava aprimoramento no
passe, na bola longa e também
no chute, marcando um lindo
gol contra o Equador. Mas as
críticas continuavam. A
imprensa, principalmente a
carioca e a paulista,
questionavam sua presença em
campo como titular. Diziam que
era somente um destruidor e
que não sabia dar passes
longos.
A despeito disto, Dunga foi
convocado para a Copa do Mundo
de 1994. Titular absoluto do
time, fora de campo Dunga
tinha outro papel importantíssimo:
cuidar de Romário. A maior
estrela brasileira sempre
nutriu um imenso respeito por
Dunga, desde os tempos de
Vasco, e foi seu companheiro
de quarto. Cabia a Dunga
controlar os excessos de Romário
durante a Copa do Mundo.
Dentro de campo, enquanto a
imprensa brasileira continuava
criticando suas apresentações,
as estatísticas comprovavam:
Dunga era o jogador que menos
errava passes em todo o
Mundial. Para eliminar
qualquer contestação, Dunga
ainda participara diretamente
de 3 gols do Brasil durante o
Mundial: contra Camarões,
contra os Estados Unidos e
contra a Holanda.
Depois que Parreira sacou Raí,
coube a Dunga honrar a braçadeira
de capitão do time. Na final,
o volante deveria anular o
futebol do astro Roberto
Baggio. Na disputa de pênaltis,
Dunga bateu o 4° pênalti com
perfeição. Baggio errou a
cobrança seguinte, e o Brasil
conquistou o tetracampeonato.
Naquele instante, seu nome
entrava para a história do
futebol mundial. Era, para
sempre, o "Capitão do
Tetra".
Dunga, mais uma vez, ficou
afastado da Seleção
Brasileira por 2 anos.
Incomodado com a fragilidade
defensiva e, sobretudo, com a
falta de personalidade do
time, o técnico Zagallo
convocou o jogador (que agora
gozava de muito prestígio
perante à torcida
brasileira), para um amistoso
contra o Japão. Dunga voltou
a mostrar as mesmas qualidades
técnicas, se posicionando um
pouco mais atrás e com menos
velocidade. Mais uma vez,
conquistou um título pela
Seleção Brasileira: o da
Copa América disputada na Bolívia
em 1997. Sem o mesmo preparo físico
de 4 anos antes, Dunga sofreu
uma séria ameaça de corte às
vésperas da Copa do Mundo de
98, mas permaneceu na delegação
brasileira.
Durante os jogos, Dunga
desempenhou bom papel, sem o
mesmo destaque de 94. O lance
mais marcante foi a áspera
cobrança ao atacante Bebeto,
na goleada sobre Marrocos.
Dunga foi muito criticado por
ter feito uma cobrança pública
tão forte, e disse que não
ia falar mais nada. No jogo
seguinte, com Dunga calado, o
Brasil perdeu para Noruega. O
jogador voltou ao seu
temperamento normal e ajudou o
Brasil a chegar à final da
Copa da França.
Ao lado do também gaúcho
Taffarel, Dunga bateu um
recorde na história do
futebol brasileiro ao chegar
à 19 jogos pela Seleção
Brasileira em Copas do Mundo,
disputando todos os minutos
dos jogos das Copas de 90, 94
e 98. O Brasil perdeu para a
França na final, e Dunga
perdeu a oportunidade de ser o
único jogador da história à
levantar a taça de Campeão
Mundial por duas vezes. Sua
carreira na Seleção
Brasileira, com quase 100
jogos, sete gols e diversos títulos,
estava definitivamente
encerrada.
Em 1999, a realização de um
sonho: voltar ao clube do coração,
o Internacional. Contratado
por um salário milionário,
Dunga e o restante do time
colorado tiveram um desempenho
regular no primeiro semestre.
Mas a desastrosa eliminação
nas semifinais da Copa do
Brasil, e a perda do Gauchão,
aumentaram as críticas dos
torcedores. Apesar de 37% dos
gols do Inter na temporada
terem sido através de passes
de Dunga, o jogador ficou na
reserva durante boa parte do
Campeonato Brasileiro.
Sob ameaça de rebaixamento,
Dunga voltou ao time do Inter
e, mais uma vez, marcou seu
nome na história. Aos 37
minutos do segundo tempo, na
última rodada contra o
Palmeiras, com o Inter a 8
minutos de cair para a segunda
divisão, ele estava ali,
predestinado, no lugar certo:
aproveitou um erro de
posicionamento da zaga
palmeirense e, de cabeça,
marcou o gol da salvação
colorada, do fim do pesadelo.
Na temporada seguinte, atuou
algumas vezes e foi claramente
desprestigiado pela direção,
que fazia de tudo para
rescindir seu contrato, sob a
alegação de que não teria
como pagar seu alto salário.
Confirmada sua rescisão, a
direção pagou os 435 mil
reais de multa rescisória.
Em
clara manifestação de
desapego ao dinheiro, Dunga
doou toda esta quantia a 4
instituições de caridade. A
partida contra o Avaí, quando
marcou um belo gol de fora da
área, foi a última partida
oficial de sua longa carreira,
iniciada e terminada no Sport
Club Internacional, e que
marcou para sempre o futebol
brasileiro.
Era
Dunga. Era de derrotas, de
aprendizado e de uma glória máxima,
acabando com um longo jejum de
24 anos sem títulos mundiais
para o Brasil. Atualmente
Dunga segue colaborando em
projetos de instituições
beneficentes, ocasionalmente
atua como comentarista
esportivo. É também
consultor técnico do Júbilo
Iwata, e deseja assumir um
cargo diretivo-administrativo
em um grande clube do futebol
mundial, não optando por ser
treinador.
"Olha aqui, porra!"
(Dunga,
capitão da seleção
brasileira tetracampeã do
mundo em 1994, desabafando ao
erguer a taça)
"Reclamo mesmo. Se todo
mundo for bonzinho, não
chegaremos à lugar
algum"
(Dunga, ex-capitão da
seleção brasileiras, sobre
seu comportamento dentro de
campo)
"Cada vez que eu entro em
campo com a camisa da seleção,
sinto uma emoção
diferente"
(Dunga, o eterno
"capitão do Tetra")
"Quando cheguei na seleção
brasileira, eu não medi esforços
para alcançar os meus
objetivos, porque eu achava
que tudo aquilo que para mim
era um sacrifício, as coisas
que eu deixava de fazer, no
momento em que eu conseguia o
meu objetivo, eu olhava para
trás e via como tudo aquilo
era mínimo perto da alegria
de alcançar o que tanto
almejava"
(Dunga,
o eterno "capitão do
Tetra")
"Meu contrato com o
Internacional é a vida"
(Dunga, em entrevista ao
jornal Zero Hora, quando
retornou ao Internacional, em
99, quinze anos depois de começar
a carreira no clube colorado)
"Quando falo
corretamente, os japoneses
ficam tão surpresos que
perguntam de novo. Acho que
falei errado e mudo a entonação
para a maneira errada"
(Dunga, que fala português,
alemão, italiano e inglês,
sobre sua dificuldade em falar
japonês)
"Você pode ser um grande
vencedor, mas basta uma
derrota para esquecerem tudo
que se fez de bom"
(Dunga,
sobre a injustiça da mídia)
"Seria um guerrilheiro
dos Pampas, se houvesse uma
revolução, ou se tivesse que
defender sua família, ou seu
rincãozinho, em Ijuí, nas épicas
terras das missões, no
extremo sul do país"
(Teixeira Heizer, jornalista,
no livro "O Jogo Bruto
das Copas do Mundo",
sobre Dunga)