Ademir
da Guia - Meia - Rio de
Janeiro (RJ) - 03.04.1942
Quando
começou a despontar nas
categorias de base do modesto
Bangu um rapaz de futebol
elegante e clássico, o
colunista do Jornal do Brasil
Armando Nogueira o definiu em
poucas e precisas palavras:
"nome, sobrenome e
futebol de craque".
Tratava-se de Ademir da Guia,
filho de um dos maiores
zagueiros da história do
futebol brasileiro, Domingos
da Guia.
À época, contava apenas
dezoito anos, mas já figurava
na seleçăo carioca
juvenil. Também impressionado
pelos comentários que ouviu
sobre o jovem talento, o entăo
diretor de futebol do
Palmeiras, Pedro Fischetti,
viajou até o Rio para tirá-lo
de Moça Bonita.
O objetivo do Palmeiras era
anunciá-lo como substituto do
craque Chinezinho, que fora
negociado com a Fiorentina.
Tamanha responsabilidade
atrapalhou o jovem e tímido
Ademir, que acabou năo
correspondendo ŕs
expectativas dos torcedores
nas primeiras partidas.
Impacientes, apelidaram-no de
"bonde". A alcunha
era uma referęncia ao
ultrapassado meio de
transporte, que já năo
era utilizado. Ademir seria,
como ele, inútil.
Os dezesseis anos seguintes se
encarregariam de provar como
estavam enganados os incrédulos.
A estréia no Palmeiras
aconteceu em 14 de julho de
1962, em um jogo que o
Palmeiras venceu o Taubaté
por 5 a 1.
No ano seguinte foi eleito o
melhor jogador do campeonato
paulista e se tornou titular
absoluto e incontestável.
Aquele era apenas o início da
carreira do jogador que mudou
a história do clube
alviverde.
Começava a ser formada a
maior equipe da história do
Palmeiras. Treinada por
Oswaldo Brandăo, a
"Academia", como
ficou conhecida, chegou a
desbancar o poderoso Santos de
Pelé, conseguindo importantes
títulos nacionais e
regionais. Como maestro,
Ademir regia o meio campo ao
lado de seu grande amigo Dudu.
Costumava-se dizer que Ademir
da Guia năo corria em
campo, mas desfilava, tal era
a elegância de suas passadas.
Impressionava pela precisăo
do passe e facilidade que
tinha no domínio da bola.
Sobre isto, seu companheiro
Leivinha conta uma história
interessante: "A gente
brincava de 'bobinho' nos
treinos e tentava fazer o
Ademir ir para o meio. Todo
mundo tocava para ele com
efeito, mas năo tinha
jeito. Do jeito que a bola
viesse ele dominava. Eu năo
me lembro de uma única vez em
que o Ademir tenha ido para o
meio da roda".
Ganhou da torcida e da
imprensa o apelido de
"Divino", a exemplo
do seu pai, que já era
"El Divino Mestre"
para os uruguaios que o viram
jogar no Peńarol. Alguns
diziam que ele era lento, mas
era, em verdade, quem ditava o
ritmo palmeirense, cadenciando
o jogo.
Seu ápice ocorreu em 1972.
Foi campeăo brasileiro,
paulista e dos Torneios Mar
del Plata, Laudo Natel e
Cidade de Zaragoza. Quando o
Palmeiras conquistou seu
primeiro título brasileiro,
Ademir da Guia acabou como o
melhor jogador da competiçăo,
além de receber a "Bola
de Prata" da revista
Placar.
Na campanha do bicampeonato
brasileiro em 1973, o
Palmeiras disputou 40
partidas, levando apenas 13
gols (média de 0,32 por
jogo), um recorde até hoje.
Honrou a camisa palmeirense em
um número recorde de 866
jogos. Com ela, marcou 153
gols. Em 16 anos, foram inúmeros
títulos. Entre os mais
importantes, foi cinco vezes
campeăo paulista (1963,
66, 72, 74 e 76), duas vezes
campeăo do Robertăo
(1967, 69), uma vez da Taça
Brasil (1967), uma do Torneio
Rio Săo Paulo (1965) e
duas do campeonato brasileiro
(1972 e 73).
Seu último jogo foi uma
derrota por 2 a 1 contra o
Corinthians em novembro de
1977. Ademir só jogou meio
tempo, pois já se encontrava
com problemas respiratórios.
Saiu no intervalo e nunca mais
voltou. A despedida oficial,
no entanto, ocorreu sete anos
depois, em 23 de janeiro de
1984, em um jogo com amigos.
Em 1986, recebeu justa
homenagem do Palmeiras: ganhou
um busto na sede do clube, em
Săo Paulo, honraria que só
divide com mais dois nomes da
história alviverde: Junqueira
e Waldemar Fiúme.
Tantas glórias no Palmeiras năo
foram suficientes para
sensibilizar os treinadores da
seleçăo brasileira, que
acabou mal-aproveitando um dos
mais belos talentos já vistos
no país. Defendeu o escrete
nacional em apenas 12
oportunidades, năo
marcando gols. Sua estréia
ocorreu em 1965, quando
participou de quatro amistosos
da seleçăo de Vicente
Feola (contra Bélgica,
Alemanha, Argentina e Argélia,
este por apenas 20 minutos).
Ficou de fora da bagunça da
Copa de 1966, na Inglaterra,
embora fosse incontestável
que dela merecesse participar.
Para a Copa de 1970, năo
esteve nos planos de Joăo
Saldanha, que treinou a seleçăo
nas eliminatórias, e nem nos
de Zagallo, seu sucessor, que
acabou treinando a seleçăo
na conquista do mundial.
Saldanha justificava dizendo já
"estar fechado" com
Rivellino e Gérson.
Quatro anos depois, Zagallo o
levou para a Alemanha, mas o
deixou no banco de reservas.
Conta-se que recebeu a notícia
da convocaçăo para a
Copa de 1974, na Alemanha, de
sua mulher, que irrompeu a
sala de sua casa contente de
informar-lhe a novidade.
Ademir, que almoçava
calmamente, limitou-se a
sorrir e voltou sua atençăo
ao prato de comida.
Só foi titular em uma
partida, justamente na que năo
valia nada: na disputa pelo
terceiro lugar, com a Polônia.
Mesmo assim, permaneceu em
campo por apenas um tempo, até
ser substituído por
Mirandinha.
Criticado pela substituiçăo,
Zagallo afirmou que fora o próprio
jogador que pediu para sair.
Elegante, Ademir da Guia
preferiu confirmar a versăo
do treinador a contar a
verdade e desmentí-lo.
Depois de deixar a carreira,
passou a ensinar a sua arte
para crianças, em escolinhas
de futebol. Valia-se do slogan
"Bom de Bola, Bom de
Escola", recomendando aos
garotos que năo deixassem
os estudos. Preocupava-se,
assim, também com a educaçăo
de seus alunos.
Este ano, recebeu justa
homenagem do jornalista Kleber
Mazziero de Souza, que
escreveu sua biografia
intitulada "Divino - A
vida e a arte de Ademir da
Guia". Com graça, elegância
e talento, encantou a todos
que tiveram o prazer de vę-lo
jogar. O escritor pernambucano
e palmeirense Joăo Cabral
de Melo Neto dedicou-lhe
alguns poemas. Poemas como os
que escrevia com os pés, a
cada jogo da inesquecível
Academia.
"Ele
tinha facilidade para fazer
jogada muito difícil:
dominava a bola alta que vinha
de frente, com a perna
esticada. Ele pegava ela no
ar, e parece que a bola
grudava no pé dele. Tinha
elegância, o toque refinado,
uma visăo de campo
impressionante. Sua colocaçăo
era perfeita. Ele parecia
estar em todos os lugares do
campo"
(Leivinha, ex-companheiro de
Ademir da Guia no Palmeiras)
"Năo
sou frustrado por năo ter
tido muitas chances na seleçăo.
O futebol me deu muitas
alegrias, é meu ganha-păo
até hoje. A ausęncia na
seleçăo, na verdade, fez
com que eu me aprimorasse
mais, a cada dia. Năo
adiantava nada eu reclamar ou
criar polęmica. Sempre
pensei que jogador de futebol
năo pode ficar irritado
porque está na reserva ou năo
foi para a seleçăo. Tem
é de trabalhar, mais e mais,
para se superar e, se a vaga
surgir, ele estar pronto"
(Ademir da Guia, o maior
jogador da história do
Palmeiras)
"As
qualidades técnicas do
Zequinha, que é o titular, săo
superiores ŕs minhas. Porém,
tenho comigo o que penso ser
meu maior trunfo: a força de
vontade. Com ela, posso vencer
tudo que possa vir a impedir
que me torne um grande
craque"
(Ademir da Guia, em 1963,
antes de se tornar titular e
ser premiado como o melhor
jogador do Palmeiras que foi o
campeăo paulista do ano)
"A
preparaçăo física me
ajudou muito. Aos 20 anos,
jogava como um veterano, só
numa faixa do campo. Aos 30
anos, corria como um
garoto"
(Ademir da Guia, o maior
jogador da história do
Palmeiras)
"A
gente brincava de 'bobinho'
nos treinos e tentava fazer o
Ademir ir para o meio. Todo
mundo tocava para ele com
efeito, mas năo tinha
jeito. Do jeito que a bola
viesse ele dominava. Eu năo
me lembro de uma única vez em
que o Ademir tenha ido para o
meio da roda"
(Leivinha, ex-companheiro de
Ademir da Guia no Palmeiras)
"O
preço que vocęs pagaram
năo é o que vale só uma
das pernas dele!"
(Freitas Solich, técnico do
Flamengo em 1961, dirigindo-se
a um dos diretores do
Palmeiras, que acabara de
comprar Ademir da Guia do
Bangu)
"Ele
está jogando demais. É para
o Palmeiras o que o Pelé é
para o Santos. Quem ganhou do
Fluminense năo foi o
Palmeiras, foi o Ademir da
Guia"
(Zagallo, em 1971, sobre a
derrota do Fluminense para o
Palmeiras na Copa Libertadores
daquele ano)
"Ademir
impőe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de
dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na
areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e entăo
atando
o mais irriquieto adversário"
(Joăo Cabral de Melo
Neto, poeta pernambucano e
palmeirense, autor do clássico
Morte e Vida Severina, em
poema sobre Ademir da Guia)
"Ah...
Eu iria pra Itália, correndo.
Ficava um ano no Palmeiras e
jogaria na Itália, lá do
lado do Ronaldinho"
(Ademir da Guia, contando como
seria se jogasse no futebol
atual, em entrevista ao site
Palmeiras On-Line)
"Ademir
da Guia jamais brigou por uma
convocaçăo, nunca disse
que merecia uma chance, sempre
aguardou em silęncio o
reconhecimento nacional que
jamais apareceu"
(Paulo Vinícius Coelho,
jornalista da Revista Placar)
"Sem
Ademir da Guia, o Palmeiras é
menos Palmeiras"
(Rubens Minelli, um dos
grandes treinadores da história
do futebol brasileiro)