A
pequena cidade de Mariano del
Friuli é um pontinho no mapa
da Itália entre as cidades de
Udine e Gorizia. Dali saiu um
dos mais célebres goleiros da
história do futebol, o
italiano Dino Zoff. O começo
de sua carreira, no entanto, não
poderia ter sido mais duro.
Ainda criança, o pequeno Dino
revezava-se entre ajudar os
pais em casa, trabalhando como
mecânico em uma cidade
vizinha, e o amor pelo
futebol. Levava dinheiro para
casa, e os donos da oficina
permitiam que ele jogasse.
Esforço, sacrifício.
Palavras que não faltavam no
vocabulário daquele jovem que
se transformava rapidamente em
um homem, seja na vida, no
trabalho ou no esporte. O
pequeno goleiro crescia e
suava muito jogando na
Marianese, time de sua cidade.
Pequeno e ágil, aos 15 anos.
Logo começou a se falar de
Dino Zoff. Observadores de
Internazionale e Juventus
foram vê-lo, mas saíram
decepcionados. Mas Dino não
se abateu. Seria jogador de
futebol e provaria o seu
talento. O primeiro a
acreditar nele foi um olheiro
da região chamado Comuzzi.
Foi ele que levou o jovem Dino
para a Udinese.
Em Udine, o goleiro voltou a
encontrar muitas dificuldades.
No dia 24 de setembro de 1961,
aos 19 anos e meio, foi
escalado pelo técnico Luigi
Bonizzoni contra a Fiorentina.
Tomou cinco gols.
A Udinese foi rebaixada, e
Zoff encarou o desafio de ser
o camisa 1 da equipe na Série
B. Mais dois anos difíceis,
desconfiança da torcida,
disposta a criticá-lo por
cada erro. Melhor mudar de
ares, e Zoff foi para o
Mantova. Treinado justamente
por Bonizzoni, seu primeiro técnico
na Udinese.
Em Mantova, durante quatro
temporadas, uma na Série B e
três na Série A, encontrou a
maturidade como jogador e a
sua futura esposa, Anna. Era o
começo de uma virada. Ao sair
do pequeno Mantova, tudo
levava a crer que Zoff iria
para o Milan, mas no último
instante acabou sendo o Napoli
seu destino.
Cinco temporadas na equipe
napolitana criaram um
verdadeiro mito na Itália.
Todos agora conheciam o
arqueiro Dino Zoff. O time do
sul da Itália abriu ao
goleiro, em 1968, as portas da
seleção. Logo neste ano,
sagrou-se campeão da
Eurocopa. Era reserva de Ricky
Albertosi, posição que
manteve também na Copa de
1970, quando ficou com o
segundo lugar, ao perder a
final para o Brasil.
A cidade de Nápoles seguiu
dando bons frutos para o
goleiro. Segundo ele próprio,
a cidade o completava, por ser
ele tímido e fechado,
enquanto a cidade é conhecida
por ser uma das mais
extrovertidas da Itália. O
time do Napoli também parecia
feito para Zoff. Um elenco que
contava com nomes do nível de
Altafini e Sivori poderia ter
ido além do vice-campeonato
de 1967-68, não fossem
problemas extra-campo.
Dino Zoff já era uma estrela,
e o melhor estava por vir.
Corria o ano de 1972, e Zoff
tinha exatamente 30 anos
quando decidiu deixar o
Napoli. A Juventus, Vecchia
Signora de Turim, o chamava.
Era um momento de transição,
no qual surgiam na Juve jovens
que marcariam época no
futebol italiano: Bettega,
Causio, Capello. E Zoff teve
lugar cativo naquele clube por
nada menos que onze anos.
A Juventus tentava tirar Zoff
do Napoli há três
temporadas. Era outro Zoff,
diferente daquele rejeitado
pelo olheiro da própria Juve
em 1958. Era um goleiro que
transmitia segurança.
Distante da veia cênica que
tomava conta dos goleiros mais
queridos pelos italianos, Zoff
abria mão das pontes para
mostrar segurança e senso de
posicionamento.
Em sua primeira temporada,
1972/73, Zoff foi campeão
italiano. Mas era apenas o
primeiro. Na Juventus, os troféus
deixaram de ser novidade para
Zoff. Seis títulos italianos,
uma Copa da UEFA e duas Copas
da Itália. No título de 81,
uma marca fantástica: Zoff
tomou apenas 15 gols em 30
jogos.
Além de uma série de
recordes difíceis de superar.
Recorde de fidelidade, de
longevidade. Um dos mais
impressionantes é o fato de
ter passado 1143 minutos sem
tomar gols com a camisa da
seleção, de 7 de outubro de
1972 a 8 de junho de 1974,
somando 18 jogos invictos. Na
Serie A Italiana, alcançou o
incrível número de 570
partidas. E também passou
longos minutos imbatível: 903
minutos sem tomar gol na
temporada de 72-73.
Zoff era agora um mito. Era
intocável, insubtituível, e
aos candidatos à camisa 1
restava esperar que Zoff
abandonasse o futebol. Foram
quatro Copas do Mundo. A
reserva no México, em 1970, o
fracasso em 1974, na Alemanha,
o declínio em 1978, na
Argentina, e a grande volta
por cima em 1982, na Espanha.
Em 1978, O quarto lugar na
Copa do Mundo foi atribuído
às suas falhas. Voltavam as
críticas que pareciam
distantes. Questionava-se sua
inércia nos gols de Nelinho,
do Brasil, e Haan, da Holanda,
em chutes fortes de fora da área.
Era tido como incapaz de
segurar chutes de longa distância,
velho demais: seus reflexos não
seriam mais os mesmos.
A resposta viria em campo,
quatro anos depois. Foi uma
das mais importantes figuras
da Copa da Espanha, trazendo o
terceiro título para a Itália.
É inesquecível a sua fantástica
defesa na cabeçada de Paulo
Isidoro, no emocionante jogo
contra o Brasil, aos 45
minutos do segundo tempo. Aos
40 anos, Zoff bate mais um
recorde. É o mais velho
jogador a se sagrar campeão
do mundo. Dino Zoff deixa a
seleção após 112 partidas,
recorde absoluto para um
jogador italiano. Das 112, foi
capitão em mais da metade: 59
vezes. Outro marco importante
foi que Zoff passou de 1972 a
79, portanto sete anos, sem
perder um jogo sequer da
Azzurra.
Logo depois da aposentadoria
como jogador, já estava de
volta ao futebol, agora para
uma nova profissão, a de técnico.
O primeiro desafio é comandar
a seleção olímpica
nacional. E o caminho foi
limpo até Seul. Onze jogos,
sete vitórias e quatro
empates. A Itália estava
classificada para as Olimpíadas.
Zoff volta a chamar a atenção
da Juventus, que lhe oferece o
cargo de treinador na
temporada 1988/89. Ele não
poderia deixar na mão o clube
que o tornou um mito. Após um
ano e meio, se sentiu cansado.
No meio da temporada 1989/90,
a diretoria notou o desejo de
Zoff de sair e chamou Gigi
Maifredi para a temporada
seguinte. Com dignidade, Zoff
vai até o final, e antes de
fazer as malas deixa em Turim
a Copa da Itália e a Copa da
UEFA. Sai aplaudido pelos
torcedores.
Na temporada seguinte, já está
de volta, para trabalhar na
Lazio. Duas temporadas de
formação da equipe, até o
quinto lugar de 1992/93 que
coloca a Lazio na Copa da UEFA
pela primeira vez em 16 anos,
e o terceiro lugar da
temporada seguinte. Não
faltaram situações críticas,
como a contestação dos
torcedores na eliminação
contra o modesto Avellino na
Copa da Itália em outubro de
1993. Mas elas foram
enfrentadas e resolvidas com a
habitual segurança.
Mais um desafio. Sergio
Cragnotti se afasta da presidência
da Lazio, e Zoff assume o
cargo. Teve relacionamento difícil
com o técnico tcheco Zdenek
Zeman, a quem demitiu para se
tornar um caso raro de
presidente-técnico, no meio
da temporada 1996/97. Tirou a
Lazio do décimo-primeiro
lugar para terminar na quarta
posição.
Cragnotti voltou à presidência
da Lazio, e após a Copa do
Mundo de 1998 Zoff foi chamado
para dirigir a Seleção
Italiana. O objetivo era
recuperar o prestígio após o
fracasso na França, e cumprir
pelo menos um bom papel na
Eurocopa de 2000.
Mais que um bom papel, a Itália
de Zoff chegou à final contra
a França, e ficou a um minuto
do título. Os franceses
empataram aos 45 do segundo
tempo e acabaram vencendo na
prorrogação. A Federação
estava satisfeita com seu
trabalho, mas Zoff não estava
disposto a ouvir críticas
como as de Silvio Berlusconi,
presidente do Milan e homem
forte da política italiana.
Pediu demissão.
O resto da história desemboca
no presente. Quando Sven-Goran
Eriksson foi demitido da
Lazio, no começo de 2001,
Zoff voltou a assumir a
equipe, onde permanece até
agora. Levou a Lazio ao
primeiros lugares da Serie A
deste ano, garantindo vaga na
Liga dos Campeões da Europa.
Zoff. Um exemplo de craque, de
superação, de jogador
vitorioso. O exemplo de um
mito que nunca será
esquecido.
"Para nós, a partida
mais difícil daquela Copa foi
mesmo contra o Brasil."
(Dino Zoff, goleiro da Itália
na Copa de 82)
"Zoff parecia imune à
erosão do tempo, como se a
economia de seus movimentos
lhe garantisse a
eternidade"
(Gérard Ejnès, jornalista
francês no livro "100
Rois por un Siècle" -
100 Reis para um Século)
"Com ele, as defesas
mais miraculosas pareciam
incrivelmente simples"
(Gérard Ejnès,
jornalista francês no livro
"100 Rois por un Siècle"
- 100 Reis para um Século)
"Poucos dias depois de
minha estréia na Serie A, fui
ao cinema. No intervalo,
passavam os cinco gols que
tomei no jogo. Tratei de me
abaixar na poltrona".
(Dino Zoff, contando sobre sua
estréia na primeira divisão
italiana, em 1961, quando
tomou 5 gols no jogo entre sua
Udinese e a Fiorentina)
"A velocidade ao lado
da criatividade, a classe
mesclada ao dinamismo. Força
física e experiência. Aquela
Juventus ficou no meu coração"
(Dino Zoff, sobre a Juventus
de 72-73, que te deu o
primeiro título de campeão
italiano)
"Dino Zoff foi
indigno, se comportou como o
último dos amadores"
(Sílvio Berlusconi,
presidente do Milan e um dos
homens fortes do futebol
italiano, em crítica ao técnico
Dino Zoff, da seleção
italiana, após a derrota na
final da Eurocopa para a França)
"Me sinto ofendido
como profissional e como
homem. Depois de uma vida
consagrada ao esporte,
recebemos críticas absurdas.
Não posso continuar, já
tomei minha decisão: estou
fora da seleção
italiana"
(Dino Zoff, anunciando sua saída
do cargo de técnico da seleção
italiana por receber críticas
duras e, ao seu ver, injustas
de Sílvio Berlusconi)
"Eu, defensivista? É
a maior ofensa que eu posso
receber. Sempre joguei para
vencer"
(Dino Zoff, sobre seu modo de
treinar as equipes)
"Dizem que treinar a
seleção era meu sonho? A
realidade é que temos
objetivos a traçar, se chamam
Eurocopa e Copa do Mundo.
Sempre há uma taça para
levantar"
(Dino Zoff, ex-treinador da
seleção italiana)
"Sinto a falta do
apoio de um amigo de verdade
como Gaetano Scirea. Sinto-me
mais pobre. E fico revoltado
por ele só ter recebido as
honras merecidas depois de
morto. Antes, estava
esquecido. Neste mundo, o bom,
o correto, o verdadeiro homem
é banal"
(Dino Zoff, ex-treinador da
seleção italiana)
"Como técnico, ensino
mais com o exemplo do que com
as palavras. Assim como quando
estava debaixo das traves,
tenho que tomar qualquer decisão
na mais absoluta solidão"
(Dino Zoff, ex-treinador da
seleção italiana)
"Um treinador não é
um manipulador de números e
formas, mas um condutor de
homens. Eu parto do homem e
acredito no homem"
(Dino Zoff, ex-treinador da
seleção italiana)
"Meu afastamento da
Juventus foi conseqüência de
uma mudança radical no clube.
Não foi uma decisão
repentina, todos conhecíamos
os novos caminhos da
diretoria. E nunca me senti vítima
daquela situação"
(Dino Zoff, ex-treinador e
ex-goleiro da Juventus)
"Sempre procurei viver
minha vida dia após dia. A
Juventus é um capítulo belíssimo
e encerrado. Desde quando
comecei a trabalhar na Lazio,
sou da Lazio por inteiro"
(Dino Zoff, ex-treinador e
ex-goleiro da Juventus)
"Pude jogar até os 41
anos porque sempre tive
certeza que havia
possibilidade de
melhorar"
(Dino Zoff, o melhor goleiro
da história do futebol
italiano)
"Nunca tive a presunção
de me sentir seguro,
convencido. Agora, olhando
para trás, vejo que eu tenha
razão. Não sou totalmente
satisfeito com todo o que
fiz"
(Dino Zoff, o melhor goleiro
da história do futebol
italiano)
"No dia-a-dia, não
sou tão fechado, quem me
conhece sabe bem. Mas no
trabalho, não consigo sorrir.
Trabalho é coisa muito séria
para mim"
(Dino Zoff, o melhor goleiro
da história do futebol
italiano)
"A Seleção Italiana
para mim é um nome: Bearzot.
Se eu falo dele, meu coração
se abre. É uma pessoa de
grande moral, a maior que tive
por perto no futebol"
(Dino Zoff, sobre o treinador
da seleção italiana na Copa
de 1982, quando a Itália
ficou com o tri).