Arthur
Friedenreich - Atacante - Săo
Paulo (SP) - 19.07.1892
Falar
de Arthur Friedenreich é
viajar bastante nos primeiros
anos do nosso futebol. É
conhecer a nossa história, as
dificuldades que enfrentavam
os nossos jogadores, conhecer
nossos primeiros craques. Aliás,
por falar em craque,
Friedenreich é sem dúvida o
primeiro grande craque
brasileiro de nível
internacional. Temido e
respeitado pelos estrangeiros,
ganhou dos uruguaios o título
de El Tigre "por ser o
mais perfeito centroavante do
campeonato
sul-americano", segundo o
próprio capităo da
Celeste.
Do
mesmo modo, por falarmos de
tempos tăo distantes, é
certo que muitas das histórias
contadas sobre "El
Tigre" săo lendas
que ajudaram a criar o seu
mito. O próprio Fried gostava
de dizer que batera "500
pęnaltis e nunca perdera
um sequer". Mário
Andrada, que jogou ao lado de
Fried jurava que o craque
teria marcado 1239 gols em sua
carreira. Outro estudo
apontava 1329, o que superaria
a marca de Pelé. A marca mais
aceita, no entanto, é a de
que o artilheiro teria marcado
554. O certo é que foram
muitos, e muito importantes
para consolidar o futebol
brasileiro no cenário
mundial.
Desde
pequeno, já era evidente o
talento do garoto Arthur
naquele esporte recém-trazido
da Inglaterra por Charles
Miller. Muito habilidoso, com
dribles curtos e um faro
impressionante para o gol, năo
custou muito para que
dirigentes do Săo Paulo
da Bexiga se interessassem
pelo vistoso futebol do
garoto. Fried era mulato, o
que o impossibilitaria de
jogar no clube. Mas ao vę-lo
jogar, os dirigentes do clube
năo tinham alternativa a
năo ser fazerem-se de
cegos para a sua cor. Em 1909,
iniciou carreira no Germânia,
por onde permaneceu apenas por
alguns jogos. Logo foi bater
ŕs portas do Ypiranga,
clube onde começou a
despontar para o futebol.
Cinco
anos depois, Friedenreich já
aparecia entre os 11 jogadores
da primeira seleçăo
brasileira (que na verdade era
um combinado Rio-Săo
Paulo). A recém-formada seleçăo
iniciaria sua história contra
o Exeter City, clube da
terceira divisăo inglesa,
mas profissional, ao contrário
do futebol brasileiro. A
partida foi uma verdadeira
batalha campal, da qual Fried
saiu sem dois de seus dentes e
todo ensangüentado. Mas para
sua alegria, o escrete
canarinho vencia a primeira
partida de sua história por 2
a 0.
Aos
20 anos, seria pela primeira
vez artilheiro do campeonato
paulista, o que voltou a
acontecer seguidas vezes em
sua carreira. Problemas com o
incipiente futebol brasileiro,
entretanto, que relutava em
assumir o profissionalismo (o
que só aconteceu em 1934),
fizeram com que nosso primeiro
craque passasse meses sem
jogar. O próprio Ypiranga,
clube em que jogava, chegou a
abandonar o futebol, voltando
logo após. Em 1916, no
entanto, Fried mudaria-se para
o Paulistano, seu clube de infância.
Iria de novo para o Ypiranga
no ano seguinte, sendo
inclusive artilheiro do
campeonato paulista pelo
antigo clube, mas voltou ao
Paulistano após isso. Lá
permaneceria por 13 anos.
No
Paulistano, em 1918, foi pela
primeira vez campeăo
paulista. Fried seria mais uma
vez o artilheiro. No ano
seguinte, Fried seria bi campeăo
paulista (era o
tetra-campeonato do
Paulistano, exclusividade
deste clube até hoje). Dez
anos depois, no entanto, mais
problemas para El Tigre.
Irritado com a inevitabilidade
da chegada do
profissionalismo, o presidente
do Paulistano, Antônio Prado
Júnior, resolve fechar o
clube. No ano seguinte, com a
fusăo entre o Clube Atlético
Paulistano e a Associaçăo
Atlética Palmeiras, surgiu o
Săo Paulo da Floresta
(que permaneceria até 1935,
dando finalmente origem ao
hoje Săo Paulo Futebol
Clube). Muitos jogadores do
Paulistano, assim como
Friedenreich, passaram a ser
jogadores do Săo Paulo da
Floresta. Depois de defender
as cores do tricolor, Fried
iria para o Flamengo, clube
onde encerraria a carreira,
aos 43 anos, 26 de futebol.
Pela
seleçăo brasileira, há
muito que se dizer de Fried.
Inclusive sobre a inesquecível
conquista de 1919, primeiro título
sul-americano conseguido pelo
Brasil. Na final, depois de
150 minutos de futebol
(noventa de jogo e mais 60 de
duas prorrogaçőes),
Fried faz o gol que dava o título
inédito ao Brasil. Foi nesta
oportunidade que o atacante
brasileiro recebeu do capităo
uruguaio um pergaminho com os
dizeres: "Nós, os
componentes da seleçăo
uruguaia, concedemos ao senhor
Arthur Friedenreich, o título
de El Tigre por ter sido o
mais perfeito centroavante do
campeonato sul-americano"
No
Sul-Americano de 1922, Fried
brigou com a CBD e foi excluído
da delegaçăo brasileira.
O maior problema que
enfrentaria com a seleçăo,
entretanto, estaria por vir,
oito anos depois. Mesmo com 38
anos, Fried era nome certo na
seleçăo brasileira que
disputaria a primeira Copa do
Mundo, em 1930. Um evento sem
precedentes, uma oportunidade
incrível para qualquer
jogador. Mas as brigas entre
as federaçőes do Rio e
de Săo Paulo fizeram com
que esta última retirasse
todos os seus jogadores,
impedindo-os de participar da
Copa. A seleçăo que iria
ao Uruguai era puramente
carioca (com exceçăo
apenas a Araken Patusca, do
Santos, que teve de brigar com
o seu time para ir ŕ
competiçăo). Vinte e
oito anos depois, quando
Bellini erguia pela primeira
vez a taça de campeăo do
Mundo para o Brasil,
Friedenreich confidenciaria a
amigos a sua maior decepçăo
na carreira: nunca ter
participado de uma copa.
"Esta taça poderia ser a
do bi", dizia o craque,
inconformado.
Em
agosto de 1969, Friedenreich
encontrava-se doente. Tinha o
mal de Parkinson, pneumonia e
arteriosclerose. No męs
seguinte, faleceu deixando
eterna suas lembranças no
futebol.
"Levanta a cabeça,
garoto, porque os cariocas irăo
chorar muito por tua
causa."
(Rubens Salles, craque
paulista do início do século,
um dos ídolos de infância de
Friedenreich, animando-o
depois de uma derrota da seleçăo
paulista para a carioca)
"Nós, os componentes da
seleçăo uruguaia,
concedemos ao senhor Arthur
Friedenreich, o título de El
Tigre por ter sido o mais
perfeito centroavante do
campeonato
sul-americano."
(Inscriçăo no pergaminho
entregue pelo capităo da
seleçăo uruguaia a
Arthur Friedenreich no
campeonato sul-americano
de1919, a primeir grande
conquista do futebol
brasileiro)
"Eis o pé da vitória."
(Manchete do Jornal A Noite,
acima da foto do pé de
Friedenreich, um dia após a
conquista do título
sul-americano de 1919, a
primeira grande conquista do
futebol brasileiro,
conquistada com um gol de
Fried. O jornal nunca havia
utilizado-se de foto em sua página
inicial)
"O Rei dos Reis."
(Jornal francęs L'Équipe,
sobre Friedenreich,
considerado pelos franceses
como melhor jogador entre os
"reis do
Paulistano", clube de
Fried, que acabara de vencer a
seleçăo francesa por
7x2)
"Por quę a vergonha?
O que vocęs enfrentaram,
esse tal de Friedenreich, năo
é deste mundo."
(Torcedor do Uniăo da
Lapa, para os jogadores do seu
time que haviam perdido de 9 a
0 para o Paulistando de Arthur
Friedenreich, que marcou 7
vezes)
"Esta
taça poderia ser a do
bi."
(Friedenreich, lamentando em
58 o fato de năo ter
podido participar da Copa de
30 e ajudar o Brasil a ser
campeăo mundial)
"Arthur Friedereich
jogava futebol, com o coraçăo
no peito do pé. Foi ele que
ensinou o caminho do gol à
bola brasileira."
(Armando Nogueira, jornalista
e escritor