Ruud
Dil Gullit – Líbero e
meia-atacante – Amsterdã,
Holanda – 1º/09/1962
Um
craque diferenciado. Esta é,
sem dúvida, a melhor definição
para Ruud Dil Gullit, um dos
maiores jogadores da história
do futebol holandês. Quase um
gigante a correr pelo gramado,
com seus quase 90 kg e 1,90m
de altura, e a inconfundível
cabeleira no melhor estilo
dreadlock, Gullit era também
um mestre no meio campo, com
sua apurada técnica e visão
de jogo. Era tão completo,
que, durante sua carreira,
atuou, com a mesma destreza e
eficiência em três posições
diferentes: líbero,
meio-campista e atacante.
Filho de surinameses, aliava a
ginga de crioulo sul-americano
ao senso tático holandês.
Seu jogo era de explosão e
toques finos, chutes fortes e
cabeçadas certeiras. Vigoroso
o bastante para peitar
zagueiros, hábil o suficiente
para ludibriá-los com um
drible de corpo. Imprevisível,
alternava o ritmo de suas
descidas à área, ora
terremoto avassalador, ora
equilíbrio puro.
Nascido em Amsterdam, nunca
chegou a jogar na maior equipe
da cidade, o Ajax. "Eu
morava no oeste de Amsterdam.
O Ajax treina no Leste, que é
muito longe", explica. A
explicação mais aceita, no
entanto, é que Gullit teria
medo de ser apenas mais um dos
muitos jovens que tentam, todo
ano, a chance no vitorioso
clube da capital holandesa.
Bobagem. Afinal, como veio a
provar depois, ele estava
longe de ser "apenas mais
um entre tantos".
De qualquer modo, pior para o
Ajax e sorte do pequeno
Haarlem, com quem Gullit
assinou seu primeiro contrato,
aos 17 anos. Não foi preciso
um clube maior para que seu
futebol chamasse a atenção
de todo o país. No dia que
completou 19 anos, Gullit
estreava pela seleção
holandesa, numa partida contra
a Escócia.
No ano seguinte, o Haarlem
cedeu às ofensivas do
Feyenoord para levar a jovem
promessa. É no Feyenoord que
ele consegue seu primeiro título
importante, o campeonato
holandês de 1984. Era apenas
o primeiro. No mesmo ano, fica
também com a Copa da Holanda.
Depois de três anos no
Feyenoord, foi para o PSV
Eindhoven por uma bagatela:
610 mil dólares. No PSV,
conquistou mais dois títulos
nacionais (1986 e 87). Voltou
a conquistar também a Copa da
Holanda em 1986. Gullit
tornava-se uma unanimidade
nacional. Em 87, acumulou os
prêmios de melhor jogador da
Holanda, da Europa e do Mundo.
Estava na hora de deixar o
futebol holandês para se
consagrar em outras ligas. O
empresário Sílvio Berlusconi
(hoje primeiro-ministro da Itália),
que assumira o Milan há um
ano, não perde tempo: por uma
quantia recorde (9 milhões de
dólares), tira Ruud Gullit do
PSV e o leva para a equipe
milanesa. Junto com Gullit,
chegam os também holandeses
Marco Van Basten e Frank
Rijkaard.
Não demorou muito para as
medidas fazerem efeito. Em
pouco tempo, a equipe da
Lombardia se tornava referência
do futebol na Itália e no
mundo. No Milan,
"Guido", como era
chamado, marca época, fazendo
parte de um dos melhores times
dos últimos 20 anos no cenário
mundial.
Em 1988, levou o Milan de novo
à conquista do campeonato
italiano, o que não acontecia
havia 11 anos. Repete a dose
em 1992, dessa vez com um
ingrediente histórico: o
Milan não perdeu para ninguém.
Em 1993, fica com o italiano
pela terceira vez.
Também pelo Milan conquistou
as Supercopas Européias de 89
e 90, além da Copa dos Campeões
nos mesmos anos. Na final de
89, é o grande destaque do
jogo contra o Steaua
Bucareste. O Milan vence por 4
a 0 e Gullit marca duas vezes.
Era o ápice do seu futebol,
que, a partir daí, começou a
ser visto com cada vez menos
freqüência. As constantes
contusões no joelho tornaram
o antes "craque de
temporadas", em
"craques de jogos",
como constatavam jornais
italianos da época. Não
fazia mais tanta diferença em
um campeonato inteiro, mas,
sempre que jogava, voltava a
mostrar sua habilidade
descomunal. Talvez por isso só
tenha ganho uma vez o título
de melhor jogador europeu.
A personalidade forte era
outra marca de Ruud Gullit. Em
1988, recebeu durante a
partida entre Milan e Juventus
o prêmio de melhor jogador do
mundo, concedido pela
tradicional revista francesa
France Football, e o dedicou
para Nelson Mandela, líder
negro sul-africano, ainda
preso na época. "Nossas
situações são muito
diferentes. Eu recebo todas as
honras enquanto ele passa a
vida preso injustamente. Mas a
causa dele é a minha: ele é
negro", justificou.
Se o levava a praticar atos
bonitos como este, por outro
lado, dificultava-lhe as relações
em todos os clubes por que
passou. Quando começou a
causar muitas confusões no
Milan, em 1993, Sílvio
Berlusconi tratou de empurrá-lo,
sutilmente, para a Sampdoria.
Em Gênova, conquistou a Copa
da Itália em 1994, além de
marcar seu recorde pessoal de
16 gols na Serie A. Voltaria
ao Milan logo depois, mas,
percebendo que ficaria no
banco, retornou à Sampdoria.
Só permaneceria lá até
1995. Cansado da Itália, foi
para o Chelsea, da Inglaterra.
Jogando de líbero, foi
eleito, em 96, o segundo
melhor jogador da temporada na
Premier League.
No ano seguinte, acumulou à
função de jogador a de técnico
do Chelsea, substituindo Glenn
Hoddle. Passou apenas um ano
treinando a equipe londrina. O
bastante para conquistar a
Copa da Inglaterra, sendo o
primeiro estrangeiro a
comandar uma equipe nesta
conquista.
Novos problemas de
relacionamento fizeram Gullit
deixar o Chelsea para assumir
o Newcastle, agora apenas como
treinador. Comandando o clube
do atacante Alan Shearer (com
quem não se dava muito bem),
chegou novamente à final da
Copa da Inglaterra, dessa vez
sendo derrotado. A má
campanha na Premier League o
fez deixar também o Newcastle
já em 99.
Pela seleção holandesa,
Gullit alternava momentos mágicos
com outros inexplicáveis. No
total, foram 66 jogos com a
camisa laranja, nos quais
Gullit anotou 17 gols. Deu à
seleção de seu país a
objetividade que faltou nos
vice-campeonatos mundiais de
1974 e 1978. Foi o capitão da
Holanda na conquista heróica
da Eurocopa de 88, na
Alemanha, marcando inclusive
um dos gols na final, contra a
URSS.
A contusão que sofreu pouco
antes da Copa da Itália
impediu que a Holanda
confirmasse seu favoritismo.
Gullit estava em campo, mas
longe da forma que o
consagrou. Ainda assim, foi
dele o gol que classificou a
Holanda para as oitavas de
final, no empate em 1x1 contra
a Irlanda. Na Copa dos Estados
Unidos, no entanto, a situação
foi diferente. Nas vésperas
do início da competição, em
1994, Gullit abandonou a seleção
por divergências com o técnico
Dick Advocaat. Até hoje os
holandeses se perguntam se não
teriam ficado com o título
caso Gullit tivesse jogado.
Aposentou-se em 1997, ao
deixar o Chelsea. Para quem o
viu jogar, fica a imagem
inesquecível de seu jogo,
alegre e ofensivo, imprevisível
e variado, eficiente como
armador e como atacante. O
maior jogador da Holanda
depois de Cruijff.
"Gullit é o cérebro do
time. Sem ele, não temos
chance no Mundial"
(Rudi Krol, zagueiro da
Holanda nas Copas de 74 e 78,
sobre as chances
holandesas no Mundial de 90)
"Passei por momentos
atrozes nos quais percebi que
o futebol era toda a minha
vida"
(Ruud Gullit, um dos maiores
jogadores holandeses de todos
os tempos)
"Nunca pensei em virar
treinador, mas não posso
dizer que me arrependo desta
decisão"
(Ruud Gullit, primeiro técnico
estrangeiro campeão da Copa
da Inglaterra, pelo Chelsea)
"Não gosto dos jogadores
soldados, que se contentam em
obedecer ao que diz o
treinador. Por isso sempre
pergunto aos meus jogadores: o
que você pensa disso? Por quê
você fez isso?"
(Ruud Gullit, primeiro técnico
estrangeiro campeão da Copa
da Inglaterra, pelo Chelsea)
"Não penso o que Arrigo
Sachhi ou Svan Goran Eriksson
fariam no meu lugar. Faço do
meu jeito"
(Ruud Gullit, primeiro técnico
estrangeiro campeão da Copa
da Inglaterra, pelo Chelsea)