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RENATO GAÚCHO

Renato Portaluppi - Atacante - Guaporé (RS) - 09.09.1962

Pegue uma boa dose de força e some algumas fartas porções de habilidade. Misture isto e aplique num sujeito temperamental e polêmico. Você terá algo muito parecido com o que foi Renato Portaluppi. 

Ou Renato Gaúcho, como ficou nacionalmente conhecido depois de levar seu nome além das fronteiras do Rio Grande do Sul. Mas Renato tinha uma grande virtude: jogava como poucos. Seu misto de rebeldia e fantasia encantava e preocupava. Renato aprontava dentro e fora de campo. Renato era infernal.

Nascido em Guaporé, ainda menino mudou-se com a família para Bento Gonçalves. Trabalhou um bom tempo numa padaria até que resolveu fazer um teste nos infantis do Internacional. Sua reprovação não o convenceu de que não tinha aptidão para o futebol. Sentindo-se injustiçado, foi ao rival tricolor. Ali o Grêmio abria as portas ao responsável direto pelo maior título que o clube já conquistou.

Renato percorreu as divisões de base do clube dando sinais do que viria a se transformar como profissional. Por vezes driblava a defesa adversária inteira e recuava com a bola ao meio de campo. Pior: não aceitava que estivesse errado. Estreou no time principal em 1981, onde chegou a fazer parte do grupo que conquistou o Campeonato Brasileiro no mesmo ano, embora não jogasse nenhuma partida.

Mas foi a partir de 1982 que os torcedores começaram a conhecer melhor aquele ponta-direita com jeito de zagueiro, face ao seu porte físico. Na final do Campeonato Gaúcho daquele ano, logo aos 27 minutos do primeiro tempo, Renato é expulso em um lance infantil. Tal fato prejudicou sensivelmente a equipe, que perdeu o título estadual para o Inter. Renato catimbava, levava cartões e dizia por vezes que nunca mais iria jogar no Grêmio. Na partida seguinte era o atleta que mais demonstrava raça com a camisa do time.

Se por um lado o camisa 7 gremista parecia um maluco que não media suas ações, incapaz de ver que prejudicava o time em certas circunstâncias, por outro a torcida sabia que ele infernizava muito mais os seus adversários do que o seu Grêmio. O ano de 1983 lhe confirmou o que muitos já desconfiavam: Renato era alguém predisposto a vencer. Durante a Taça Libertadores comandou a equipe nas duas partidas mais importantes: o empate com o Estudiantes, em La Plata por 3-3; e na final contra o Peñarol, quando fez o cruzamento que resultou o gol de cabeça de César, o gol do título. Posteriormente, nas comemorações do vestiário, Renato enfiou um balde na cabeça do sisudo presidente gremista Fábio Koff.

Mas o melhor da sua passagem pelo Grêmio viria no dia 11.12.1983. Foi em Tóquio que Renato simplesmente resolveu acabar com o jogo e decidir a partida em favor do tricolor no Mundial Interclubes. Marcou dois golaços e ainda levou o prêmio de melhor jogador em campo. Tudo com 21 anos de idade. Não era à toa que Renato e De León (capitão das conquistas de 1983) eram os únicos a desfilar livremente com seus carros vermelhos no estacionamento do estádio Olímpico.

Estacionamento que, certa vez, quase presenciou uma tragédia. Dias antes de embarcar à Tóquio, Renato chegara ao Olímpico a bordo de seu Passat em alta velocidade, cantando pneus. Não percebendo que algumas crianças da escolinha de futebol do Grêmio ali estavam e quase atropelou algumas. O fato chega ao conhecimento do presidente Fábio Koff, que o chama para uma conversa na sua sala. Renato não gosta da multa aplicada sobre seu salário (mais uma dentre tantas) e diz que não vai ao Japão. Minutos depois surge o treinador Valdir Espinosa e o supervisor Antônio Carlos Verardi trazendo Renato novamente na Sala Presidencial. Espinosa havia convencido o atacante de mudar de idéia. Renato então perguntou a Fábio Koff:

- Se formos campeões, o senhor tira a multa?
- Tiro, Renato.
- E se formos campeões com um gol meu, o senhor me dá um reajuste?
- Tá legal, Renato.
- Mais uma coisinha: se eu meter dois gols, o senhor dá o meu reajuste e dobra meu salário? E o Koff disse:
- Você é maluco!

Em 1984, Renato chegou à Seleção, onde disputou ao todo 42 jogos, marcando 5 gols. Neste mesmo ano o atacante arrumou uma briga das boas num amistoso contra a Argentina, no Morumbi. Daí começou a se formar uma idéia de que não poderia haver jogador de Seleção com este tipo de temperamento.

Mas Renato, alheio a tudo que comentavam e diziam a seu respeito, continuava ganhando títulos (como os gaúchos de 1985 e 1986) e levando dirigentes e treinadores à loucura.

O futebol de Renato fazia com que seu nome fosse obrigatório em qualquer relação de convocados para a Copa de 1986. Telê Santana, treinador na época, o convocou. Porém, dias antes do embarque para México, Renato e Leandro (lateral-direito do Flamengo) ao voltarem para a concentração após uma tarde de folga, o fizeram muito além do horário. Com toda a fama que cercava o gremista, não foi preciso ser adivinho para prever o que aconteceria: Renato era cortado da Seleção que iria à Copa. Mas Leandro não. O lateral, que voltara tarde para a concentração com Renato, revoltado com a decisão de Telê, resolve abandonar a Seleção e fica no Brasil, em solidariedade ao colega. Todos que viveram aquela Copa sabiam: aquela era a grande chance de Renato com a camisa do seu País.

Em 1987 o atacante muda de camisa. Chega ao Flamengo e delicia-se com o Rio de Janeiro e suas atrações. Para não perder o costume, Renato vence a Copa União 1987 com o rubro-negro, e em cima do velho rival Internacional. Ao conseguir destaque na vitrine carioca, vem a experiência européia com a Roma. Ficou uma temporada no futebol italiano, onde não conseguiu ser nem sombra daquele jogador que era nos tempos de Grêmio e Flamengo. Renato tinha saudade do Brasil, em especial do Rio de Janeiro, onde o futebol era mais solto, o clima mais quente e as noites mais agitadas.

Retornou ao Flamengo em 1989 e em 1991 foi para o Botafogo. Foi lá que Renato demonstrou que nunca esquecera do seu Grêmio, ainda que tivesse escolhido o Rio de Janeiro como sua cidade. A última rodada do Campeonato Brasileiro daquele ano programava o jogo Botafogo x Grêmio, em Caio Martins. Uma derrota por parte do time gaúcho determinava seu rebaixamento à Segunda Divisão. Renato recusou-se entrar em campo. Não queria fazer isso com o clube que lhe acolheu. De nada adiantou, mas não era para isso. E Renato voltou no semestre seguinte ao Grêmio para disputar o Gauchão.

Em 1992 voltou ao Botafogo. Não só voltava as rotinas de finais como as velhas polêmicas. Desta vez, após a disputa da primeira partida contra o Flamengo, Renato e o atacante flamenguista Gaúcho resolveram se encontrar para um churrasco. A direção do Botafogo não gostou nada da idéia. Não compreendia o fato do seu jogador jantar com um adversário logo após ter sido derrotado por 3-0, numa final de Campeonato Brasileiro. Renato ficou de fora do segundo jogo e o Botafogo ficou com o Vice.

Indo para Minas Gerais, Renato ajudou o Cruzeiro a conquistar o título estadual e a Supercopa. E não só defendeu o time estrelado como também esteve do lado atleticano, em 1994. Até seus rivais queriam seu futebol, apesar das arruaças que aprontava. Tanto que numa oportunidade recebeu uma proposta do Inter tida como irrecusável. Renato se negou a ir. Disse que os gremistas não mereciam isso.

E foi em 1995, quando por muitos já era considerado decadente, que Renato decidiu desencantar novamente. Contratado pelo Fluminense para fazer frente ao Flamengo e suas contratações bombásticas em virtude do centenário, Renato provocava Romário (na ocasião recém tetracampeão mundial com a Seleção) dizendo ser ele o verdadeiro "Rei do Rio".

Não poderia ter sido um Fla-Flu mais emocionante que aquele. O próprio gol do título, não poderia ter sido "mais Renato" que aquele: maluco e debochado. Renato ofuscara Romário.

Renato teve essa facilidade enorme em ser marcante por onde passou. Extremamente temperamental, criava problemas por onde passava. Seja pela área adversária, seja pela vida noturna das cidades que viveu. Os torcedores dos times que defendeu conseguiam sentir simultaneamente amor e ódio pelo seu futebol, por vezes brilhante, por vezes displicente. Pagou um preço alto por suas loucuras, ao ficar de fora da sua Copa (1986). Mas Renato foi autêntico. E campeão. E é isso que importa.

"Aí que começou o tumulto. Fui lá na galera deles e mandei todo mundo calar a boca. Por que eu fiz aquilo?! Aí foi a gota d'água . Até meus companheiros perguntaram por que eu fui fazer aquilo"
(Renato, sobre a batalha de La Plata pela Libertadores 1983, reconhecendo suas maluquices inexplicáveis)

  "É uma criança espontânea"
(Fábio Koff, presidente do Grêmio, após levar de Renato um balde d'água na cabeça, em meio às comemorações da conquista da Libertadores)

  "Olha aqui, turma. Faz de conta que a gente está enfrentando o Aymoré"
(Renato para seus companheiros na final do Mundial Interclubes contra o Hamburgo, em 1983)

  "Toda equipe brasileira é traiçoeira. De repente alguém inventa uma jogada que ninguém previa"
(Willy Schultz, ex-zagueiro do Hamburgo e marcador de Pelé nos anos 60, referindo-se à decisão do Mundial em Tóquio)

  "Bonito, jovem, dinheiro à vontade, jogando uma barbaridade - para ser equilibrado, só sendo louco"
(Alberto Galia, presidente do Grêmio em 1984, tentando compreender os destemperos de Renato)

  "Vou tirar 20 dias de atraso."
(Renato, decretando o fim da sua abstinência alcoólica após a final que deu o bicampeonato gaúcho em 1986)

  "Tabu foi feito pra ser quebrado. É como mulher virgem: um dia ela acaba cedendo"
(Renato e seu machismo incurável, já como treinador, falando sobre o tabu que o Fluminense quebrou ao vencer o São Caetano pelas quartas-de-finais do Brasileiro 2002)