Pegue
uma boa dose de força e some
algumas fartas porções de
habilidade. Misture isto e
aplique num sujeito
temperamental e polêmico. Você
terá algo muito parecido com
o que foi Renato Portaluppi.
Ou
Renato Gaúcho, como ficou
nacionalmente conhecido depois
de levar seu nome além das
fronteiras do Rio Grande do
Sul. Mas Renato tinha uma
grande virtude: jogava como
poucos. Seu misto de rebeldia
e fantasia encantava e
preocupava. Renato aprontava
dentro e fora de campo. Renato
era infernal.
Nascido em Guaporé, ainda
menino mudou-se com a família
para Bento Gonçalves.
Trabalhou um bom tempo numa
padaria até que resolveu
fazer um teste nos infantis do
Internacional. Sua reprovação
não o convenceu de que não
tinha aptidão para o futebol.
Sentindo-se injustiçado, foi
ao rival tricolor. Ali o Grêmio
abria as portas ao responsável
direto pelo maior título que
o clube já conquistou.
Renato percorreu as divisões
de base do clube dando sinais
do que viria a se transformar
como profissional. Por vezes
driblava a defesa adversária
inteira e recuava com a bola
ao meio de campo. Pior: não
aceitava que estivesse errado.
Estreou no time principal em
1981, onde chegou a fazer
parte do grupo que conquistou
o Campeonato Brasileiro no
mesmo ano, embora não jogasse
nenhuma partida.
Mas foi a partir de 1982 que
os torcedores começaram a
conhecer melhor aquele
ponta-direita com jeito de
zagueiro, face ao seu porte físico.
Na final do Campeonato Gaúcho
daquele ano, logo aos 27
minutos do primeiro tempo,
Renato é expulso em um lance
infantil. Tal fato prejudicou
sensivelmente a equipe, que
perdeu o título estadual para
o Inter. Renato catimbava,
levava cartões e dizia por
vezes que nunca mais iria
jogar no Grêmio. Na partida
seguinte era o atleta que mais
demonstrava raça com a camisa
do time.
Se por um lado o camisa 7
gremista parecia um maluco que
não media suas ações,
incapaz de ver que prejudicava
o time em certas circunstâncias,
por outro a torcida sabia que
ele infernizava muito mais os
seus adversários do que o seu
Grêmio. O ano de 1983 lhe
confirmou o que muitos já
desconfiavam: Renato era alguém
predisposto a vencer. Durante
a Taça Libertadores comandou
a equipe nas duas partidas
mais importantes: o empate com
o Estudiantes, em La Plata por
3-3; e na final contra o Peñarol,
quando fez o cruzamento que
resultou o gol de cabeça de César,
o gol do título.
Posteriormente, nas comemorações
do vestiário, Renato enfiou
um balde na cabeça do sisudo
presidente gremista Fábio
Koff.
Mas o melhor da sua passagem
pelo Grêmio viria no dia
11.12.1983. Foi em Tóquio que
Renato simplesmente resolveu
acabar com o jogo e decidir a
partida em favor do tricolor
no Mundial Interclubes. Marcou
dois golaços e ainda levou o
prêmio de melhor jogador em
campo. Tudo com 21 anos de
idade. Não era à toa que
Renato e De León (capitão
das conquistas de 1983) eram
os únicos a desfilar
livremente com seus carros
vermelhos no estacionamento do
estádio Olímpico.
Estacionamento que, certa vez,
quase presenciou uma tragédia.
Dias antes de embarcar à Tóquio,
Renato chegara ao Olímpico a
bordo de seu Passat em alta
velocidade, cantando pneus. Não
percebendo que algumas crianças
da escolinha de futebol do Grêmio
ali estavam e quase atropelou
algumas. O fato chega ao
conhecimento do presidente Fábio
Koff, que o chama para uma
conversa na sua sala. Renato não
gosta da multa aplicada sobre
seu salário (mais uma dentre
tantas) e diz que não vai ao
Japão. Minutos depois surge o
treinador Valdir Espinosa e o
supervisor Antônio Carlos
Verardi trazendo Renato
novamente na Sala
Presidencial. Espinosa havia
convencido o atacante de mudar
de idéia. Renato então
perguntou a Fábio Koff:
- Se formos campeões, o
senhor tira a multa?
- Tiro, Renato.
- E se formos campeões com um
gol meu, o senhor me dá um
reajuste?
- Tá legal, Renato.
- Mais uma coisinha: se eu
meter dois gols, o senhor dá
o meu reajuste e dobra meu salário?
E o Koff disse:
- Você é maluco!
Em 1984, Renato chegou à Seleção,
onde disputou ao todo 42
jogos, marcando 5 gols. Neste
mesmo ano o atacante arrumou
uma briga das boas num
amistoso contra a Argentina,
no Morumbi. Daí começou a se
formar uma idéia de que não
poderia haver jogador de Seleção
com este tipo de temperamento.
Mas Renato, alheio a tudo que
comentavam e diziam a seu
respeito, continuava ganhando
títulos (como os gaúchos de
1985 e 1986) e levando
dirigentes e treinadores à
loucura.
O futebol de Renato fazia com
que seu nome fosse obrigatório
em qualquer relação de
convocados para a Copa de
1986. Telê Santana, treinador
na época, o convocou. Porém,
dias antes do embarque para México,
Renato e Leandro
(lateral-direito do Flamengo)
ao voltarem para a concentração
após uma tarde de folga, o
fizeram muito além do horário.
Com toda a fama que cercava o
gremista, não foi preciso ser
adivinho para prever o que
aconteceria: Renato era
cortado da Seleção que iria
à Copa. Mas Leandro não. O
lateral, que voltara tarde
para a concentração com
Renato, revoltado com a decisão
de Telê, resolve abandonar a
Seleção e fica no Brasil, em
solidariedade ao colega. Todos
que viveram aquela Copa
sabiam: aquela era a grande
chance de Renato com a camisa
do seu País.
Em 1987 o atacante muda de
camisa. Chega ao Flamengo e
delicia-se com o Rio de
Janeiro e suas atrações.
Para não perder o costume,
Renato vence a Copa União
1987 com o rubro-negro, e em
cima do velho rival
Internacional. Ao conseguir
destaque na vitrine carioca,
vem a experiência européia
com a Roma. Ficou uma
temporada no futebol italiano,
onde não conseguiu ser nem
sombra daquele jogador que era
nos tempos de Grêmio e
Flamengo. Renato tinha saudade
do Brasil, em especial do Rio
de Janeiro, onde o futebol era
mais solto, o clima mais
quente e as noites mais
agitadas.
Retornou ao Flamengo em 1989 e
em 1991 foi para o Botafogo.
Foi lá que Renato demonstrou
que nunca esquecera do seu Grêmio,
ainda que tivesse escolhido o
Rio de Janeiro como sua
cidade. A última rodada do
Campeonato Brasileiro daquele
ano programava o jogo Botafogo
x Grêmio, em Caio Martins.
Uma derrota por parte do time
gaúcho determinava seu
rebaixamento à Segunda Divisão.
Renato recusou-se entrar em
campo. Não queria fazer isso
com o clube que lhe acolheu.
De nada adiantou, mas não era
para isso. E Renato voltou no
semestre seguinte ao Grêmio
para disputar o Gauchão.
Em 1992 voltou ao Botafogo. Não
só voltava as rotinas de
finais como as velhas polêmicas.
Desta vez, após a disputa da
primeira partida contra o
Flamengo, Renato e o atacante
flamenguista Gaúcho
resolveram se encontrar para
um churrasco. A direção do
Botafogo não gostou nada da
idéia. Não compreendia o
fato do seu jogador jantar com
um adversário logo após ter
sido derrotado por 3-0, numa
final de Campeonato
Brasileiro. Renato ficou de
fora do segundo jogo e o
Botafogo ficou com o Vice.
Indo para Minas Gerais, Renato
ajudou o Cruzeiro a conquistar
o título estadual e a
Supercopa. E não só defendeu
o time estrelado como também
esteve do lado atleticano, em
1994. Até seus rivais queriam
seu futebol, apesar das arruaças
que aprontava. Tanto que numa
oportunidade recebeu uma
proposta do Inter tida como
irrecusável. Renato se negou
a ir. Disse que os gremistas não
mereciam isso.
E foi em 1995, quando por
muitos já era considerado
decadente, que Renato decidiu
desencantar novamente.
Contratado pelo Fluminense
para fazer frente ao Flamengo
e suas contratações bombásticas
em virtude do centenário,
Renato provocava Romário (na
ocasião recém tetracampeão
mundial com a Seleção)
dizendo ser ele o verdadeiro
"Rei do Rio".
Não poderia ter sido um
Fla-Flu mais emocionante que
aquele. O próprio gol do título,
não poderia ter sido
"mais Renato" que
aquele: maluco e debochado.
Renato ofuscara Romário.
Renato teve essa facilidade
enorme em ser marcante por
onde passou. Extremamente
temperamental, criava
problemas por onde passava.
Seja pela área adversária,
seja pela vida noturna das
cidades que viveu. Os
torcedores dos times que
defendeu conseguiam sentir
simultaneamente amor e ódio
pelo seu futebol, por vezes
brilhante, por vezes
displicente. Pagou um preço
alto por suas loucuras, ao
ficar de fora da sua Copa
(1986). Mas Renato foi autêntico.
E campeão. E é isso que
importa.
"Aí
que começou o tumulto. Fui lá
na galera deles e mandei todo
mundo calar a boca. Por que eu
fiz aquilo?! Aí foi a gota d'água
. Até meus companheiros
perguntaram por que eu fui
fazer aquilo"
(Renato, sobre a batalha
de La Plata pela Libertadores
1983, reconhecendo suas
maluquices inexplicáveis)
"É
uma criança espontânea"
(Fábio Koff, presidente
do Grêmio, após levar de
Renato um balde d'água na
cabeça, em meio às comemorações
da conquista da Libertadores)
"Olha
aqui, turma. Faz de conta que
a gente está enfrentando o
Aymoré"
(Renato para seus
companheiros na final do
Mundial Interclubes contra o
Hamburgo, em 1983)
"Toda
equipe brasileira é traiçoeira.
De repente alguém inventa uma
jogada que ninguém
previa"
(Willy Schultz,
ex-zagueiro do Hamburgo e
marcador de Pelé nos anos 60,
referindo-se à decisão do
Mundial em Tóquio)
"Bonito,
jovem, dinheiro à vontade,
jogando uma barbaridade - para
ser equilibrado, só sendo
louco"
(Alberto Galia, presidente
do Grêmio em 1984, tentando
compreender os destemperos de
Renato)
"Vou
tirar 20 dias de atraso."
(Renato, decretando o fim
da sua abstinência alcoólica
após a final que deu o
bicampeonato gaúcho em 1986)
"Tabu
foi feito pra ser quebrado. É
como mulher virgem: um dia ela
acaba cedendo"
(Renato e seu machismo
incurável, já como
treinador, falando sobre o
tabu que o Fluminense quebrou
ao vencer o São Caetano pelas
quartas-de-finais do
Brasileiro 2002)