As
próximas linhas contarão a
história da vida de Mathias
Sindelar, maior jogador da
história do futebol austríaco.
Serão reais, mas poderiam ter
saído das páginas de algum
romance. Glória, fama,
guerra, perseguição,
prostitutas e morte -
elementos do destino trágico
deste poeta do futebol do início
do século.
Tudo começou no décimo dia
de março do ano de 1903. A
cidade de Märenm, na Áustria,
via nascer em uma família de
judeus um de seus mais
ilustres filhos. O garoto
desajeitado e introvertido
haveria de amadurecer
precocementes, com a morte de
seu pai na I Grande Guerra,
que fê-lo chefe de família
aos 14 anos de idade.
Já no ano seguinte, o futebol
entrou por acaso em sua vida.
Assistia a uma partida do
Hertha, time do seu bairro, e
foi chamado para completar a
equipe. Desequilibrou e, de
estepe, passou a titular
absoluto. Habilidoso, bastante
driblador, dentro de pouco
tempo foi contratado pelo
Austria Vienna, clube pelo
qual venceu por três vezes a
então chamada Copa da Europa
Central (1931, 1933 e 1936).
Muito magro, era chamado de
"der Peperiener"
("homem de papel").
Não gostava de treinar e
fumava demais. Além disso,
era dado a longas noitadas com
prostitutas e bebidas. Tudo
isto não o impediu de fazer
história com a seleção
austríaca, a qual defendeu em
43 partidas.
Foi o maior responsável pelo
chamado Wünderteam ("a
equipe maravilhosa"), que
assombrou o futebol europeu
entre maio de 1931 e abril de
1933. Os resultados falam por
si: 6x0 na Escócia, 6x0 e 5x0
na Alemanha, 8x1 na Suíça,
8x2 na Hungria, 6x1 na Bélgica,
4x0 na França, 4x3 na Suécia
e 2x1 na Itália. Só a
Inglaterra conseguiu uma vitória,
por 4x3, embora tenha sido
derrotada na revanche, em
Viena, por 2x1.
O time contava com um estilo
de jogo revolucionário
implantado pelo técnico Hugo
Meisl que irritava o adversário
abusando do toque de bola por
todos os cantos do campo.
Assim, envolvia-se o adversário
até a hora do ataque que
quase sempre terminava em gol.
O time-base era composto por
Platzer (Hiden), Cisar
(Rainer) e Wagner (Blum);
Sesta; Braun e Urlbanek
(Gall); Smistik, Zischek;
Schall, Sindelar e Vierti.
Mathias Sindelar era, sem
sombra de dúvidas, a maior
expressão dessa equipe que
entrou para a história do
futebol. Dos 54 gols listados
acima, ele marcou 27 -
exatamente a metade. De
"homem de papel",
alcunha que ganhara em seu país,
passou a ser chamado na Europa
de "Mozart do
Futebol".
Na Copa do Mundo da Itália,
em 1934, Sindelar marcou o
primeiro gol de seu
selecionado na vitória sobre
a França (3x2). O Wünderteam
foi até a semifinal, onde
encontrou a dona da Copa, a Itália
de Benito Mussolini. Diante de
sessenta mil pessoas no estádio
San Siro, em Milão, o árbitro
sueco Eklind negou-se a ver um
pênalti claríssimo sofrido
pelo craque austríaco.
Resultado: vitória por 1 a 0
da Itália e o fim do
"time maravilhoso".
Conta-se uma série de outras
histórias sobre favorecimento
do árbitro nesta fatídica
partida. Uma delas afirma que
o sueco interceptara com um
toque de cabeça um lançamento
que deixaria Sindelar de cara
com o goleiro italiano. Diz-se
também que ele teria sido
conivente com a violência
italiana, que teria feito,
inclusive, o "homem de
papel" ficar de fora da
decisão do terceiro lugar,
contra a Alemanha.
A partir daí, entra-se no capítulo
derradeiro do romance em questão.
O clima na Europa piorava dia
após dia. Três dias depois
do aniversário de 35 anos de
Sindelar, a sua Áustria foi
anexada pelo Terceiro
"Reich" alemão no
"Anchluss".
Destarte, os jogadores austríacos
passaram a ter duas opções:
jogar pela seleção de Hitler
ou não jogar mais. Judeu, o
"homem de papel" não
tinha realmente outra opção.
Fugiu e começou a ser
perseguido.
Alguns meses depois, em
janeiro de 1939, o final trágico
da história. Mathias Sindelar
é encontrado morto por
envenenamento de gás de
cozinha de sua casa, junto a
uma prostituta com quem
costumava sair.
Suicídio, segundo as
autoridades alemães. Delatado
por companheiros e friamente
assassinado, dizem seus
admiradores. A verdade, esta
nunca se saberá. Ao seu
funeral, compareceram mais de
40.000 pessoas para o último
adeus.
Há dois anos, teve novamente
reconhecido o seu
brilhantismo. Na Áustria, foi
escolhido como o melhor
esportista do século passado.
Além disso, foi consagrado
pela IFFHS como um dos 20
melhores jogadores da história
do futebol. Prêmios mais do
que merecido para aquele que
encantou o mundo com o seu
futebol e a sua história.