Se
o húngaro Ladislao Kubala
ganhou em 1999 uma pesquisa
entre os torcedores do
Barcelona para decidir quem
seria o maior jogador do clube
em 100 anos de história,
deixando para trás nomes como
Cruijff, Maradona, Romário e
Ronaldo, foi porque ele, mais
do que ninguém, soube com
perfeiçăo encarnar a
figura do ídolo.
Carismático,
inteligente, raçudo e
habilidoso, o atacante portava
a camisa do clube catalăo
como se esta fora a sua
segunda pele. Conquistava com
a mesma facilidade a simpatia
da torcida do seu clube e a
das torcidas adversárias.
Sua
personalidade forte e marcante
foi sem dúvida forjada nos
anos difíceis de sua
juventude num tumultuado Leste
Europeu, devido aos
acontecimentos políticos das
décadas de 30 e 40.
Ainda
criança, seu futebol já
chamava a atençăo nas
partidas que fazia pelo Ganz,
clube da terceira divisăo
húngara.Aos 17 anos, realizou o
sonho de jogar pelo
Ferencvaros, clube em que
também jogara seu pai. Tăo
jovem, já se sagrou campeăo
nacional e foi convocado para
a seleçăo de seu país.
Quis
o destino que fossem apenas 3
jogos com a camisa húngara. A
morte de seu pai fę-lo
partir para a Tchecoslováquia,
país de sua măe. Com 18
anos, recomeçava a carreira
no Slovan Bratislava. Novos
ares, novo país, até novo
nome: Ladislao Kubala agora
era Ladislav Kubala. O
futebol, no entanto, era o
mesmo. Kubala voltou a ser
campeăo nacional enaquela mesma temporada
já passaria a fazer parte da
seleçăo tcheca.
Assim
como na seleçăo húngara,
estreou contra a Áustria.
Também ŕ semelhança do
que ocorrera no selecionado
anterior, năo foi longa a
sua passagem pela seleçăo
tcheca. Em apenas seis
partidas, marcou seis tentos.
Em
1947, tentou voltar´à
Hungria para jogar no
Ferencvaros, que mudara de
nome para Vasas de Budapeste.
Mas a permanęncia em sua
terra natal se mostrava impossível.
O Partido Comunista
conquistara o poder no país
europeu e a situaçăo política
era cada dia mais difícil,
cada dia mais severa. O
rígido regime local o impedia
mesmo de visitar sua mulher e
filho recém-nascido na
Tchecoslováquia.
Kubala
decide fugir. Reúne quatro
companheiros de equipe embuídos
na mesma intençăo e
cruza a perigosa fronteira da
Áustria escondido num caminhăo
soviético. Em Viena, consegue
um passaporte falso que o faz
chegar ŕ Itália.
Quando
o jogador pensa estar livre
dos problemas que o afligiam há
pouco na Hungria, eis que eles
voltam a perseguí-lo. A
federaçăo húngara vai
ŕ Fifa, acusa-o de
traidor e delinqüente,
pedindo sançăo. A
entidade máxima do futebol
acata o requerimento e
suspende Kubala, frustrando a
intençăo de
Internazionale e Torino de
contratá-lo. Sem saber, a
FIFA salvava a vida do craque.
Em 1949, um grave acidente aéreo
mata todos os jogadores do
Torino, dentre os quais
poderia estar Ladislav Kubala,
năo fosse a suspensăo
que cumpria.
Naquele
mesmo ano, Kubala se juntou a
outros húngaros, russos,
tchecos, romenos, polacos e búlgaros
na Hungria, uma espécie de
“seleçăo de
exilados” que se pôs a
atuar em partidas de exibiçăo.
Em uma delas, em 1950, a
Hungria enfrentou o Barcelona,
no estádio do Sarriá. Nada
mais foi preciso para que os
dirigentes do clube azul e
grená se dessem conta de que
precisariam fazer o que fosse
necessário para contratá-lo.
Porém,
persistia
a intransigęncia da FIFA.
O Barcelona contratou Kubala
em junho de 1950, mas,
oficialmente, ele só pode
vestir a camisa do clube em 29
abril de 1951, contra o
Sevilla, quase um ano depois.
Mas
valeria a espera e Kubala
tratou de provar. “Tudo que
eu fizesse pelo Barcelona
seria pouco diante do que
fizeram por mim”, diria o
craque décadas depois. Pouco
certamente é a pior definiçăo
para o que ele fez pelo clube
catalăo.
De
logo, ajudou o Barça a vencer
a primeira das seis Copas do
Rei que ganharia na equipe. Em
1952, assombrou a Espanha.
Conquistou o bi da Copa do
Rei. Venceu também a Copa
Latina. Além disso, foi campeăo
e artilheiro espanhol, tendo
batido um recorde histórico
para o Barcelona: na partida
contra o Sporting Gijón
marcou nada menos do que 7
gols na vitória por 9 a 0.
Em
1953, repetiu a dobradinha de
Liga e Copa do Rei. Suas fantásticas
atuaçőes valeram-lhe a
naturalizaçăo espanhola
e a convocaçăo para a
terceira seleçăo de sua
carreira.
Pela
“Fúria”, disputou 19
partidas, vencendo 9,
empatando 6 e perdendo 4
vezes. Marcou, ao todo, 11
gols. Sua maior tristeza no
selecionado espanhol foi nas
eliminatórias para a Copa de
1954. A vaga era numa partida
desempate, contra a Turquia.
Antes do embate, a Federaçăo
Espanhola recebeu um telegrama
da FIFA proibindo a escalaçăo
do astro húngaro.
Sem
Kubala, a Espanha só empatou
e viu a decisăo ficar
para o sorteio, em que um
garoto italiano tirou o
papelzinho escrito
"Turquia". A Copa do
Mundo năo conheceria o
futebol de Laszlo.
Se
na seleçăo o sucesso năo
foi o esperado, no Barcelona
ele seguia inabalável. Seu
prestígio era tanto que o estádio
de Les Corts foi ficando
pequeno para tantos torcedores
que queriam vę-lo. Os făs
pediram e a diretoria do Barça
aceitou: seria construído um
novo estádio, para mais de
100 mil pessoas. Nascia o Camp
Nou, o maior estádio da
Europa.
Já
no novo estádio, o Barça
conquistou as Copas do Rei de
57, 59 e 63. Ficou também com
os espanhóis de 59 e 60.
Kubala já era lenda. Ídolo
maior do futebol catalăo,
virou música, filme e
documentários. Pelo clube
azul-grená foram 329 partidas
e 249 gols.
Em
1961, Kubala sofreria mais uma
grande decepçăo, ao ver
o seu Barça perder a final da
Liga dos Campeőes para o
Benfica por 3 a 2. Naquela
noite, o ataque formado por
ele, Kocsis, Evaristo de
Macedo, Suarez e Czibor
acertou a trave portuguesa por
4 vezes.
Passou
em seguida a atuar como
treinador-jogador. Em 62,
destituído do cargo de
treinador, resolveu deixar o
Barcelona para defender o
Espanyol, onde voltaria a
acumular as duas funçőes
por duas temporadas.
Contratado em seguida pelo
Zurique, da Suíça, lá atuou
até abandonar de vez os
gramados, com 37 anos.
Năo
deixou, porém, o futebol.
Treinou diversas equipes na
Espanha, no Canadá e na Arábia
Saudita, além de ter
trabalhado como selecionador
paraguaio.
Em
1969, a Fúria o convocaria
novamente, agora para o banco:
Kubala voltava para treinar a
seleçăo espanhola.
Permaneceu no cargo pelo tempo
recorde de 11 anos, nos quais
conseguiu a classificaçăo
para a Copa de 1978, na
Argentina. No total, foram 68
jogos, com 31 vitórias, 21
empates e 16 derrotas.
Depois
disso, ainda teve mais uma rápida
passagem como treinador do
Barcelona, novamente sem
sucesso. O nome de Ladislao
Kubala, no entanto, já estava
escrito para sempre na história
do clube catalăo, o que
restou mais do que provado na
pesquisa de 1999.
Tręs
anos depois, vítima de
complicaçőes pulmonares,
faleceu aos 74 anos. Conforme
por ele fora pedido em vida,
foi enterrado no cemitério de
Les Corts, bairro onde se
encontra o estádio do
Barcelona, para que nem depois
da vida se distanciasse de sua
paixăo.
“Lamentamos
a perda de um grande
desportista e um homem
exemplar – uma boa pessoa,
que é o máximo que se pode
aspirar nesta vista” (Florentino
Pérez, presidente do Real
Madrid)
“Perdemos
o maior jogador na nossa história.
Tive o prazer de conhecę-lo
desde pequeno. Primeiro o
admirei como amigo, depois
como diretor e agora como
presidente”
(Joan Gaspart, presidente do
Barcelona)
“Fomos
muito mais do que amigos.
Fomos irmăos” (Alfredo
Di Stéfano, um dos maiores
jogadores da história do Real
Madrid)
“Hoje
a torcida foi o 12º
jogador”
(Ladislao Kubala, em 1970,
quando treinava a seleçăo
espanhola, após uma vitória
por 2 a 0 contra a Alemanha,
cunhando a frase que ficaria
famosa)
“Falar
de Kubala é falar da história
da entidade Barcelona. Ele
contribuiu de forma imprescindível
para que o Barça adquirisse
grandeza”
(Joaquim Rifé, dirigente do
Barcelona, sobre Ladislao
Kubala)