Charles
William Miller - Atacante - São
Paulo (SP) - 24.11.1874
Corria
o ano de 1895 quando o jovem
Charles William Miller
desembarcou no porto de
Santos, litoral do estado de São
Paulo, vindo de Southampton,
na Inglaterra. Filho de família
rica, quando contava apenas 9
anos fora enviado para a
Europa, onde realizaria os
seus estudos. Uma década
depois, estava de volta ao seu
estado de origem. Na bagagem,
duas bolas da marca Shoot, uma
bomba de ar, dois padrões de
uniformes e um livro de regras
daquele esporte que conhecera
na Inglaterra e pretendia
trazer para o Brasil, o
football.
Só o fato de ter sido o
introdutor do mais popular
esporte mundial já lhe daria
suficiente notoriedade. Ocorre
que Charles Miller não foi
apenas o primeiro jogador de
futebol brasileiro, como foi
também o seu primeiro craque.
Já na Inglaterra, ainda no início
da adolescência, chamava a
atenção dos seus
companheiros pela habilidade
com a bola. Seus traços já
eram aqueles que
caracterizariam o futebol
brasileiro nos anos vindouros.
Ao contrário dos ingleses,
valorizava o
"dribbling", jogava
solto, alegre e malandro, o
que lhe valeu o apelido de
"Nipper" (Moleque).
Em pouco tempo, virou destaque
no futebol inglês, atuando
primeiro pelo clube de seu colégio,
Banister Court. Em 25 jogos
marcou 41 gols, sendo logo
recrutado para o Saints, clube
onde jogavam os melhores
futebolistas de Southampton.
Aos 17 anos, foi convidado
para atuar em uma partida pelo
Corinthian inglês (famoso
clube de quem o Sport Club
Corinthians Paulista herdou o
nome). Nas palavras de seu
companheiro Rangel Viotti:
"Seu estilo era muito artístico,
ele tinha a habilidade de
enganar o adversário".
A partida inaugural do futebol
brasileiro foi disputada já
no mesmo ano do desembarque de
Miller. No dia 14 de abril, em
um campinho armado em uma
propriedade de sua família,
jogaram empregados da
Companhia de Gás e da São
Paulo Railway Company. O São
Paulo Railway, de Charles
Miller, venceu por 4 a 2.
Obviamente, o futebol daquela
época era bastante diferente
do que é praticado
atualmente, mais de um século
depois. As bolas, por exemplo,
possuíam uma abertura para a
entrada da câmera inflável
de borracha, sendo fechada por
cadarços exteriores. Para não
se machucarem, os futebolistas
costumavam utilizar uma
"toquinha" na cabeça.
As dificuldades para o
desenvolvimento do
"estranho jogo"
foram muitas. Na final do
primeiro campeonato paulista,
por exemplo, o início do jogo
teve que ser retardado pois um
dos jogadores do São Paulo
Athletic fora interceptado por
um policial quando se
encaminhava para o Velódromo.
O motivo: "circulava em
trajes carnavalescos, fora de
época, ofensivos ao pudor por
deixarem à mostra as pernas
em público, no centro da
cidade".
Sem entender os argumentos do
policial, já que não falava
direito o português, o
jogador de origem inglesa teve
que esperar os diretores do
clube desfazerem o
mal-entendido.
Um jornal carioca do final do
século XIX assim descrevia o
futebol: "Lá pelos lados
da Luz, do Bom Retiro, um
grupo de ingleses, maníacos
como eles só, se punham de
vez em quando a dar pontapés
numa coisa parecida com uma
bexiga de boi, dando-lhes
grande satisfação e pesar
quando essa espécie de bexiga
amarelada entrava por um retângulo
formado por paus".
Felizmente, a disposição dos
primeiros futebolistas,
liderados por Charles Miller,
superou esses problemas e
estupefações iniciais.
No primeiro campeonato
paulista, em 1902, Miller foi
a figura principal.
Entusiasta, participou da
organização, arbitrou
algumas partidas e, claro,
atuou como jogador do São
Paulo Athletic Club. Acabou
como campeão e artilheiro
isolado da competição, com
10 gols. Dois anos depois,
voltaria a ficar com a
artilharia, dessa vez com nove
tentos.
Uma de suas mais belas
jogadas, o toque de calcanhar,
herdou o seu nome. "Dar
de Charles" era tocar com
o calcanhar, expressão que
acabou sendo adaptado para
"chaleira".
Ressalte-se que foi também
Charles Miller quem marcou o
primeiro gol brasileiro contra
um time da Argentina, em 1908.
Dois anos depois, com apenas
26 anos de idade, pendurou as
chuteiras, passando apenas a
arbitrar as partidas. O pai do
futebol brasileiro morreu em
1953, sem ter visto a
conquista de nosso primeiro
mundial, mas já tendo deixado
lições bastantes para
chegarmos lá.
"Vocês
ficariam espantados em saber
como o football é popular
aqui. Temos nada menos que 60
ou 70 clubes só na cidade de
São Paulo"
(Charles Miller, em carta de
1904 a seus ex-companheiros de
futebol na Inglaterra)
"Seu
estilo era muito artístico,
ele tinha a habilidade de
enganar o adversário"
(Rangel Viotti, amigo de
Charles Miller na Inglaterra,
sobre ele)