Na linguagem
futebolística, quando determinado
jogador demora a sarar de uma
contusão vem logo alguém da imprensa
e diz que o cara ta
“bichado”.
Já fora das lides esportiva,
costuma-se dizer que o indivíduo
anda a
meia-boca ou está
“no bico do
corvo”. E já que a conversa
tomou este caminho, vou contar uma
passagem acontecida no finalzinho da
década de 50,
com um time de futebol chamado
Bico de Corvo.
Diz à história que o
Bico de Corvo – que era de São José
dos Campos – foi convidado a viajar
à vizinha Paraibana, distante 20 ou
trinta quilômetros, a fim de
enfrentar a forte equipe local.
Junte-se a isso um fato até então
inusitado: o time da casa – tem
coisas que só acontecem no interior
– era dirigido por um padre.
Reza a lenda que este
padre tão fanático era por futebol
que se houvesse coincidência de data
e horário entre a missa e o jogo do
time, ou ele adiava um ou cancelava
outro. Só não admitia sob hipótese
alguma, que o time jogasse sem a
torcida a seu favor. Mas, vamos ao
jogo, que é o que nos interessa.
Tecnicamente superior, o time da
casa atacava o visitante como se
fora um “panzer” alemão. Em
contrapartida, sem outra opção
aparente, a equipe joseense ia se
agüentando como podia. Sem qualquer
tipo de trocadilho: a rapaziada
mandava a bola em direção ao lado em
que o bico estivesse virado. Ao
termino da primeira etapa, à custa
de muito sacrifício, o time
conseguia segurar o
0 x 0.
Logo no início do
segundo tempo aconteceu um fato
curioso, para não dizer, anormal: um
urubu ferido cismou de pousar
exatamente sobre o travessão em que
se postava o goal-keeper joseense.
Até aí nada de mais. Que diferença
faz um urubu pousar ou não, sobre um
travessão? Nenhuma em circunstâncias
normais. Acontece que, coincidência
ou não, por mais que dominasse a
partida, o time da casa não
conseguia fazer um gol...
O treinador ia ao
desespero. De repente, alguém se deu
conta do que estava acontecendo. É
claro! Só podia ser o corvo.
Bruxaria! – passaram a gritar em
uníssono. “o corvo é amuleto do time
deles”, era a opinião geral. Antes
incrédulo (cruz credo!) até o padre
passou a acreditar. Teria nascido
ali a celebre frase: “não acredito
em bruxaria, mas que existe,
existe”, imediatamente traduzido
para o espanhol como sendo: “Yo no
creo em las brujas, pero que las
hay, las hay”.
A partir daí a
torcida passou a preocupar-se única
e exclusivamente com a ave,
apupando-a, atirando pedras a fim de
afugentá-la. Teimosa, esta não se
movia do lugar. Para mar dos pecados
o beque da casa ainda faz
um gor contra sua própria meta. Por
conta disso, vitima do repúdio
irrestrito da torcida o animar foi
impiedosamente excomungado pelo
padre. Não contentes com a madrasta
sorte da ave os torcedores
terminaram por matá-la. Como convém
ao final da história, o jogo
terminou 1 x 0
para o time visitante. E mais uma
vez nos foi possível observar que
final feliz só acontece em novela de
televisão.
Tudo teria caído no
esquecimento, e esta história nem
precisaria ser contada, não fosse à
insistência do técnico da equipe
anfitriã. Liderada pelo sacerdote, a
população da cidade dizia que só
permitiria a saída do caminhão se a
equipe joseense levasse o “amuleto”
para São José dos Campos. Outro
jeito não houve a não ser obedecer.
A guiza de
esclarecimento: em que pese o
cuidado dispensado quanto ao correto
uso da linguagem determinadas
palavras são aqui transcritas de
maneira não habitual, não por
desconhecimento quanto à grafia,
muito menos por perseguição. Quero
crer que nada mais, nada menos,
aquele era o dialeto local. Quanto à
”marca” da ave, alguns diziam que
era corvo; houve também quem jurasse
de pé juntos, que o dito cujo não
passava de um urubu. Eu, que em se
tratando de fauna não consigo
distinguir diferença entre um pardal
e um tico-tico, prefiro ficar em
cima do muro...